São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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FUTEBOL

Ex-melhor do mundo pela Fifa tenta ser presidente na terça-feira e pretende convocar seleção para ações de governo

Weah quer usar Brasil para unir a Libéria

Schalk van Zuydam - 8.out.05/Associated Press
George Weah faz discurso sobre sua candidatura à presidência da Libéria na França, país no qual se sagrou campeão como jogador


GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Utilizar o prestígio do futebol brasileiro para unir um país dilacerado por 14 anos de guerra civil.
O plano é de um cidadão da Libéria que já provou entender muito de bola e agora deseja exibir virtudes de um grande líder.
Aos 39 anos, George Weah, eleito o melhor do mundo pela Fifa em 1995, tenta se tornar o primeiro jogador laureado pela entidade que comanda o futebol a chefiar uma nação. Na próxima terça, o ex-atleta disputa o segundo turno das eleições presidenciais em seu país. Trata-se do primeiro pleito após os conflitos que deixaram 250 mil mortos entre 1989 e 2003.
Afastado dos gramados desde 2003, Weah elegeu o esporte como questão estratégica em seu programa de governo. "Preciso criar unidade nacional, tornar o país governável. Vou utilizar o futebol como ferramenta para unir o meu povo", afirma.
"Quero um jogo da seleção brasileira e também pretendo trazer os jogadores individualmente para promover ações de meu governo, ações que vão resgatar o orgulho dos liberianos", completa.
Mas, antes, precisará vencer uma acirrada disputa com Ellen Johnson-Sirleaf, 67, economista formada em Harvard com passagem pelo Banco Mundial. A tecnocrata, apelidada de "Dama de Ferro", usa o currículo para alfinetar o concorrente. Prega que Weah não tem formação nem experiência para comandar a nação.
No primeiro turno, o ex-jogador ficou na liderança, mas com margem pequena. Registrou cerca de 60 mil votos a mais que Ellen, num universo de 1,3 milhão de eleitores. Fundada por escravos libertos norte-americanos em 1847 -é a mais antiga república independente da África-, a Libéria tem 3,5 milhões de habitantes.
Nenhum tão famoso, nem com saga tão surpreendente, como Weah. Nascido em uma favela de Monróvia, capital do país, jogou até os 21 anos em pequenos times até se transferir para Camarões.
De lá seguiu para a França. Ergueu o troféu do Nacional em 1994 pelo Paris Saint-Germain. Dois anos depois, já na Itália, ganhou o "scudetto" com o Milan, feito que repetiu em 1999.
No último dia 26, dizendo estar triste e cansado após ir ao velório de um amigo, Weah avisou que falaria só por dez minutos com a Folha. Permaneceu no telefone, porém, por quase uma hora. Discursou sobre governo, Lula, Nelson Mandela. E futebol.

Folha - Você e sua rival dizem ter muitas diferenças, mas apresentam propostas semelhantes para comandar a Libéria. Por quê?
George Weah -
Temos uma prioridade básica em comum por causa dos estragos da guerra civil. Como podemos falar em desenvolvimento, em indústrias e coisa do tipo se não temos água corrente e energia elétrica nas cidades? Meu objetivo é restaurar serviços de infra-estrutura básica. Preciso, já no primeiro ano, criar unidade nacional, tornar o país governável. E vou utilizar o futebol como ferramenta para unir o meu povo.

Folha - Futebol?
Weah -
Claro. O futebol é um instrumento de formação e de união social. Por isso quero difundi-lo ao máximo. Quero realizar um jogo da seleção brasileira na Libéria e também quero trazer os craques do Brasil individualmente para promover ações de meu governo, ações que vão resgatar o orgulho dos liberianos. Conheço os atletas e sei que vão me ajudar.

Folha - Sua rival diz que você pensa muito em futebol e não tem experiência para ser governante...
Weah -
Não sou apenas um ex-jogador. Em 1997, tornei-me embaixador da boa vontade do Unicef, mas participo de campanhas humanitárias no meu país desde 1994. Não sou aventureiro. Sei dos problemas da Libéria. Ellen adora dizer que não possuo diplomas, mas e daí? O importante é que sei exatamente o que meu povo precisa. Preste atenção: até Nelson Mandela [ex-presidente da África do Sul] diz que sou o orgulho da África.

Folha - Mandela é seu modelo?
Weah -
Com certeza. Ele foi o homem que transformou a África. Nos encontramos dois meses atrás. Ele me chamou de presidente. Pensei que era um engano e tentei corrigi-lo. Ele rebateu dizendo que tinha certeza de que eu seria o presidente e que sou motivo de orgulho para os africanos.

Folha - Lula, o presidente brasileiro, também sofreu críticas durante a campanha por não ter diploma superior. Você o conhece?
Weah -
Nunca o encontrei pessoalmente, mas ouvi falar muito dele em reuniões das Nações Unidas. Sei que é um bom líder e que se preocupa com seu povo. Quero que ele seja meu parceiro.

Folha - De que forma?
Weah -
Quero incrementar as relações entre Brasil e Libéria. O futebol será apenas um ponto de partida. Precisamos de um apoio estratégico na América do Sul. Pretendo trazer empresas brasileiras para a Libéria e criar acordos de cooperação comercial.

Folha - Como você imagina a Libéria após seu governo?
Weah -
Eu imagino uma nação unida, com relações com vários países. Imagino minha população com acesso a todos os serviços básicos, com esperança no futuro.

Folha - Você ainda acompanha futebol pela televisão?
Weah -
Sim, especialmente as ligas africanas. Mas posso afirmar com segurança que o Brasil ainda tem a melhor seleção do mundo.

Folha - Então o Brasil ganhará a Copa com facilidade?
Weah -
Não sei. Deixe-me confessar uma coisa: sempre sonhei em enfrentar o Brasil, mas não consegui levar a Libéria para a Copa. Em Mundiais, nem sempre o favorito ganha. Por isso as outras equipes podem ter esperança.

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