São Paulo, terça-feira, 07 de janeiro de 2003

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BASQUETE

Dumbo

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

A mãe engravidou aos 16 anos de uma aventura fortuita com um homem que mais tarde cumpriria uma dezena de condenações. Ela própria já dormiu sete noites em delegacias.
O menino que ficava na ponta dos dedos para tentar crescer mais rápido chegou a trocar sete vezes de casa no mesmo ano.
Envergonhado, passou a evitar a escola. Dos 160 dias de aula da 4ª série, faltou a 82.
O técnico do colégio apiedou-se -de olho no biótipo do garoto- e garantiu abrigo na tempestade.
Hoje, 6,4 de nota média, o bom aluno voltou ao teto da mãe. Dividem um apartamento de dois quartos. Mais de 50 pôsteres de Michael Jordan adornam o dele.
Desde os 15 anos, ele bate bola com o ídolo nas férias. Aos 16, treinou com os profissionais do Cleveland. Aos 17, ainda no colegial, sucesso de público e crítica, apenas aguarda o mês de junho, quando será o primeiro escolhido no "draft", o vestibular anual que renova os times da NBA.
Nem Kobe Bryant nem Kevin Garnett nem Tracy McGrady atraíram tanta atenção quando optaram pelo ousado salto.
Hoje entre os cinco melhores do mundo, os três eram magricelas quando decidiram tentar a vida na liga sem o tradicional "pit stop" no circuito universitário.
LeBron James, por sua vez, já exibe corpo de NBA. Olhos apurados apostam que ele possui 2,01 m e 105 kg -e calculam que pula, parado, 93 cm. O adolescente nega-se a tirar as medidas. "Como um super-herói, não quero que saibam minha identidade."
LeBron é ambidestro. Come e escreve com a mão esquerda, mas arremessa preferencialmente com a direita. Une a visão periférica de um armador ao tino de cesta de um ala. O QI quadra é o que mais impressiona. Não segura a bola, não força o chute.
Nenhuma voz no basquete americano fez restrições a seu jogo. A NBA já quer incluí-lo no grupo olímpico que buscará reerguer o "Dream Team" depois da humilhação em Indianápolis.
Tamanha a febre, uma afiliada da Time Warner no Estado de Ohio comprou os direitos de imagem do time da escola St.Vincent-St.Mary. Detalhe: cada partida custa US$ 8. É a primeira vez que uma "high school" entra no sistema "pay-per-view".
Sempre atenta, a ESPN resolveu mostrar o garoto em cadeia nacional. Oponente: a Oak Hill Academy, melhor equipe colegial do país, seis derrotas em cinco anos. Na platéia, dirigentes de dez clubes da NBA e dezenas de executivos da indústria do esporte.
À pressão, LeBron respondeu com 31 pontos, 13 rebotes e 6 assistências. E a vitória, 65 x 45.
"Quero atrair a atenção de todos. Adoro aparecer na TV. Espero que Kobe esteja me vendo", disse, para uma audiência recorde, o garoto, que cobre suas tatuagens com band-aids, exigência do severo colégio católico.
A fim de restaurar a ordem, a direção da SVSM solicitou que não se pedissem mais autógrafos e fotos no intervalo das aulas.
Pela mesma razão, LeBron não pisa há dois anos na quadra da escola. Levaram os treinos e as partidas para o ginásio da Universidade de Akron, 6.000 disputadas cadeiras.
Pelas suas orelhas de abano, a maior aposta do mercado futuro do basquete ganhou dos colegas de classe o apelido de Dumbo. Dumbo. Uma aberração de circo. Ou o sonho de voar.

LeBron 1
Nike e Adidas já ofereceram propostas de contrato de US$ 25 milhões. O rapaz habilmente alterna a marca do tênis a cada jogo.

LeBron 2
A fim de reequilibrar o campeonato, a NBA dava aos dois piores times o direito de, na "moedinha", definir quem abriria o "draft". Não tardou para os inescrupulosos perceberem que, uma vez alijados da disputa da taça, compensava entregar o jogo. Em 1984, a corrida pela lanterna premiou Houston e Chicago com Hakeem Olajuwon e Michael Jordan (e oito títulos na década seguinte). Em 1985, a liga reagiu. Criou outro sorteio, menos permeável, com todos os eliminados. Mas a baixaria está de volta. Cleveland, Toronto e o Denver de Nenê arriaram as calças por "Bron Bron".

LeBron 3
Um seguro dará US$ 5 milhões ao garoto caso não chegue à NBA.

E-mail melk@uol.com.br


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