São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Canadense do Recife vira estrela na elite do hóquei

Filho de missionários, Robyn Regehr supera trauma e estréia hoje nos playoffs da NHL

GUILHERME ROSEGUINI
PAULO GALDIERI
DA REPORTAGEM LOCAL

A pergunta é repetida sempre que um companheiro de equipe tem acesso à ficha de Robyn Regehr. Quando lêem "Recife, Brazil" no espaço reservado para o local de nascimento, os colegas notam algo fora do padrão e questionam: "Por que você não decidiu ser um jogador de futebol?".
Na verdade, Regehr nem teve tempo de escolher. Com menos de um ano, deixou a capital pernambucana e seguiu os pais em uma romaria pelo mundo.
As andanças acabaram no Canadá. Na cidade de Calgary ele sedimentou sua residência. Lá, ganhou destaque no esporte que aprendeu com o pai, o hóquei no gelo. E, agora, vai entrar para a história do país em que nasceu.
O Calgary Flames, time que Regehr defende, classificou-se para os mata-matas da NHL, principal liga profissional da modalidade. Ele se tornará hoje o primeiro brasileiro a atuar na fase decisiva do torneio. Seu time vai a Vancouver enfrentar os Canucks.
"Chegamos às finais pela primeira vez em sete anos. Fizemos uma ótima temporada e meu objetivo agora é chegar ao título", contou o atleta de 23 anos à Folha.
Regehr não conhece nenhuma palavra em português. Suas lembranças do Brasil limitam-se às fotografias que os pais tiraram quando vieram para o Recife trabalhar em comunidades carentes.
Membros da Igreja Metodista, Edith e Ron percorreram mais de 20 países como missionários.
Ela, enfermeira, ensinava noções básicas de saúde. Ele, agricultor, mostrava como cuidar da terra e cultivar pequenas plantações destinadas à subsistência.
"Conhecemos pessoas maravilhosas nessas viagens. Só que um dia decidimos parar para criar os nossos filhos", afirma Edith.
Com três crianças pequenas, Ron e a mulher deixaram a Indonésia, onde estavam pregando, e retornaram para o Canadá. Robyn, na época, tinha sete anos.
"Foi aí que começou minha carreira no hóquei. Meu pai ensinou todos os filhos a patinar. Eu comecei a disputar pequenos jogos com meus vizinhos e percebi que levava jeito para a coisa", afirmou.
O sucesso do filho no esporte fez os pais cancelarem os planos de novas peregrinações. "Ainda cogitamos retomar o trabalho missionário. Só que, por enquanto, só vamos sair da cidade para vibrar nos jogos de Robyn", disse Edith.
Ela jura que não é uma mãe coruja. O fato de querer estar sempre perto do rapaz tem outra explicação: menos de cinco anos atrás, Edith pensou que nunca mais voltaria a conviver com ele.
Corria o mês de julho em 1999. Regehr e o irmão mais velho decidiram passar o domingo em um lago. Na rota de volta, um carro invadiu sua pista. A colisão foi frontal. Duas pessoas morreram.
O brasileiro quebrou as pernas e passou alguns dias em coma. Perguntou pelo irmão quando acordou e descobriu que ele passava bem. As mortes registradas eram de passageiros do outro veículo.
"Fiquei feliz por estar vivo e por saber que não tive culpa. Um laudo mostrou que o outro motorista estava bêbado", declarou.
O retorno à NHL foi penoso. Após muitas sessões de fisioterapia, ele recuperou os movimentos. Somente em outubro daquele ano voltou a vestir a camisa 28 na linha de defesa dos Flames.
Foi em um jogo contra o Ottawa, quando ficou em quadra por 1min37s. Pouco tempo, mas o suficiente para celebrar. "A recuperação era muito complicada. Hoje, acho que posso me orgulhar de ter chegado até aqui", conta.
Antes dele, segundo a própria NHL, apenas um brasileiro havia participado de jogos da liga.
No campeonato de 1989/1990, Mike Greenlay, também naturalizado canadense, atuou no gol do Edmonton Oilers em duas partidas. Ele nasceu em Vitória, na Bahia, e jogou por pouco mais de 20 minutos. Seu time não alcançou os mata-matas do torneio.


Texto Anterior: Painel FC
Próximo Texto: Pingue-pongue: Longe do gelo, jogador cultiva ídolos no futebol
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.