São Paulo, quarta-feira, 07 de maio de 2008

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Dentista e piadista, Dr. Trigo ainda ri com 1958

Pioneiro da odontologia no esporte, Mário conserva lembranças, anedotas e as fichas dentárias dos campeões da Suécia

"Amigão" dos jogadores na conquista do primeiro título mundial reside em Brasília e preserva o bom humor que o tornou folclórico na Copa

RODRIGO BUENO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O maior sorriso da seleção brasileira campeã mundial de 1958 era o de um dentista. E ele ainda sorri, e muito, em Brasília, aos 96 anos. Mário Trigo, reconhecido doutor e piadista, não esquece as principais histórias do primeiro título mundial do Brasil. Até porque grande parte delas teve ele mesmo como personagem envolvido.
""Fui eu [quem teve a idéia de dar volta no campo após o título na Suécia exibindo a bandeira brasileira]. Ia na frente, você vê em filme, agradecendo aos suecos, que torciam mais para a gente do que para eles [a seleção sueca, vice no Mundial]. Bateram palmas, ficaram de pé a arquibancada inteira para nos cumprimentar", falou Trigo, que atendeu à Folha em casa.
Com a ajuda da mulher, Vâni Trigo, contou algumas de suas aventuras pessoais, de suas paixões e até brincou como nos velhos tempos de seleção -foi dentista da equipe nacional nas Copas de 1958, 62 e 66, e atendeu a atletas de diversas seleções até a Copa de 78.
"O Brasil era favorito antes [de começar a Copa]. Tinha um time muito bom, o time era uma beleza. O Didi, antes de começar a Copa, me disse no café, no refeitório: "Doutor, pode dormir tranqüilo que vamos ganhar a Copa. Muito antes de ela começar", falou, mesmo com certa dificuldade por causa de uma isquemia, o dentista.
Pioneiro na sua especialidade médica por levá-la ao esporte, ele acabou desempenhando diversas funções na Suécia.
"Evidentemente, já havia estudos sobre o reflexo do foco dentário no corpo O Mário atuou muito nisso, viu que o atleta precisa da boa saúde bucal. Ele é considerado até pelo Conselho Federal de Odontologia o pai da odontologia esportiva", conta Vâni, mulher de Trigo, que é sua companheira dedicada desde a década de 60 e que lhe deu seus dois filhos.
"Tirei quase todos os dentes do Pepe", conta Mário -foram 14, diz com precisão cirúrgica dona Vâni. ""E do Garrincha", fala Mário -ele teve um problema num canino, fala Vâni.
As fichas odontológicas dos jogadores ainda estão com a família, mas por ética médica não são divulgadas. ""O Zagallo tem dentes maravilhosos, o Pelé também", conta dona Vâni, que exalta também os dentes do sorridente marido. ""São dele."
"O perigo do foco dentário é a repercussão a distância", explica o dentista, que há pouco mais de um ano ainda deu uma palestra e falou do tema.
"O Mário cuidou dos jogadores inclusive quando estavam fora da seleção. Era muito alegre, o contato dos jogadores com os cartolas, não era uma pessoa que se colocava em posição de importante. Abraçava tanto o rei quanto o sapateiro", diz, orgulhosa, dona Vâni.
O médico da seleção, Hilton Gosling, indicou o nome de Mário Trigo para integrar a seleção na Copa de 1958. Era uma novidade na época um dentista no grupo, mas era um grande sinal de como a preparação do time foi levada muito a sério.
"A seleção de 58, a do primeiro título mundial, foi a melhor para mim. Todo mundo unido, todo mundo entendia de futebol. Eu joguei e joguei bem por sinal, mas era amador. A comissão técnica em 58 era ótima", contou o doutor Trigo, que virou ""chapa" de rei sueco.
"Come here, king", foi a célebre frase do dentista da seleção após a conquista do título para o rei Gustavo. E ele repetiu a frase, em bom inglês, na última sexta-feira, com a história toda.
"Puxei o rei pelo braço e fui apresentá-lo." O nobre havia já cumprimentado os jogadores brasileiros, mas não tinha falado com Paulo Machado de Carvalho, o chefe da delegação. "That is the boss", soltou Trigo, que roubou a cena então diante da imprensa internacional.
"O senhor pode me dizer que horas eu posso ir embora?", teria perguntado o rei a Trigo, que o virava para os fotógrafos.
Um jornalista francês disse a Trigo na ocasião que ele ficaria famoso pelo contato real. ""E o rei também", rebateu com o seu jeito brincalhão o dentista.
"Contava mentiras [aos jornalistas] e acreditavam", falou o amigão dos atletas-pacientes.


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