São Paulo, sexta-feira, 07 de maio de 2010

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XICO SÁ

Triste, solitário e final


A tragédia acometeu a todos os obstinados alvinegros, mas também enfileirou vítimas pela Copa do Brasil


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, por que diabos, em um mundo com um vasto sortimento de inevitáveis dores, ainda elegemos a ingênua missão de sofrer pelos 11 semelhantes que defendem em campo as nossas cores?
Wânia, prima que me relata a história, reflete diante do marido em prantos na fria laje da sala. Madrugada de ontem, Vila Tolstoi, zona leste de São Paulo. Nada consola o bancário Jonas, mais um louco filiado à romântica obsessão corintiana pela Taça Libertadores da América.
Grávida de quase nove meses do primeiro filho, ela pensa, tocando a própria barriga: "Esse aqui eu não deixo entrar nessa maluquice. Basta a cota natural de sofrimento que cada um já tem direito".
A depender de Wânia, que só torce na Copa do Mundo, o pai não transmitirá ao filho o legado da sua miséria ludopédica. Dificilmente evitará a herança, ela sabe disso, só padece diante do infortúnio do Jonas e acha que uma criatura não merece viver sujeita a tal sorte de tragédias.
É uma das tantas cenas que aconteceram nas ruas ou nos lares depois do final de Corinthians 2 x 1 Flamengo. Os dramas que precedem a imediata busca pelos culpados, a gozação dos secadores na firma e o balaio de piadas, naturalmente.
O corvo Edgar, sempre impiedoso e nada cristão, em mais uma espúria aliança com o urubu da Gávea, seu primo pobre, conta, na pabulagem, que a semana só não foi inteiramente perfeita pela sorte do Rogério Ceni ainda na terça. "Mas valeu pelo susto", grasna o maldito lazarento. Na sua onipresença, a ave secadora esteve em Goiânia, comeu uma galinhada com pequi e arrancou o triunfo do Atlético-GO nos pênaltis sobre o Palmeiras, embora não tenha impedido os habituais milagres de "São Marcos", o venturoso.
Em São Januário, pousou na sorte do juiz e levou a vaga da Copa do Brasil para os baianos do Vitória. Na Vila Belmiro, nem carecia, mas carimbou, em um sobrevoo certeiro, o paletó Armani do professor Luxemburgo -o corvo curte o Galo, mas adora sacanear o renomado técnico.
À Ilha de Lost, onde jogavam Sport x Náutico, não foi preciso chegar junto. É ciente da vocação shakespeareana do timbu para morrer na praia de Piedade. O bruxo Givanildo, o rei da Capitania de Pernambuco, levou o rubro-negro ao penta. No Olímpico, também não deu as caras: o Grêmio havia feito a sua parte contra o Flu ainda no Maraca.
Ainda sobrou tempo para o corvo encontrar o amigo Geraldo da Padaria, no meio de um canavial em Ribeirão Preto. É assim que ele prefere ficar nos jogos decisivos do seu time, como me contaram na cidade. Foge da TV, do foguetório e de companhia. Nem mesmo radinho de pilha o acompanha. Estava lá, triste, solitário e final, como diria o Soriano.
Sensitivo no último, o alvinegro doente, mesmo sem comunicação, sabia do que acabara de acontecer na fatídica noite de 5 de maio do ano da graça de 2010, mais conhecido como os 365 dias do centenário do Corinthians. Que venha o Brasileirão, o certame mais tedioso e arrastado do planeta, como diz o Flávio Gomes, resistente torcedor da Lusa.
Boa sorte, Lucas, filho do Jonas e da prima Wânia, o Nacional é um saco, mas vale uma nova disputa da obsessão chamada Libertadores!

xico.folha@uol.com.br


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