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"Pequeno Príncipe" faz vôo solo
Após ver colegas desistirem, Mosiah Rodrigues chega a Atenas como 1º ginasta do país na Olimpíada em 12
anos e afirma que sua equipe são as meninas da seleção
ROBERTO DIAS
GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADOS ESPECIAIS A ATENAS
Às vezes Mosiah Rodrigues olha
sua vida e pensa se não deveria ter
sido jogador de futebol. Aos 22
anos, poderia estar perto de um
pé-de-meia para toda a vida.
Mas então ele olha de novo e vê
que conseguiu chegar a uma
Olimpíada, percebe que está bem
longe de passar aperto financeiro
e conclui: "Estou realizado".
Com 1,69 m e 61 kg, o único ginasta da delegação brasileira se
acostumou desde cedo a não ter
vida fácil. Começou sendo diferente, após ser apresentado à modalidade aos seis anos por um
professor de uma escola pública
de Porto Alegre, sua cidade natal.
"Nesse tempo, a gurizada sempre
quer sair para jogar bola", diz ele,
que tem entre seus ídolos o técnico Luiz Felipe Scolari. Cinco anos
depois, foi ao seu primeiro Brasileiro e decidiu: "Eu gosto disso".
Assumiu uma dura rotina de
treinos no Grêmio Náutico União
e se privou de férias e churrascos.
Um dia, quando Mosiah já contava mais de seis anos de ginástica, uma pequena garotinha entrou no clube para dar seus saltos.
"Todo mundo falou: alto potencial, uma impulsão que ninguém
tinha visto ainda." O nome dela:
Daiane Garcia dos Santos.
De lá para cá, Mosiah viu seu esporte brilhar como nunca no Brasil, mas não para o seu lado.
É fato que isso é ótimo para ele:
graças à estrutura que a Confederação Brasileira de Ginástica tem
hoje, mora no alojamento em Curitiba, tem um salário mensal
-recebe do clube, do patrocinador e da CBG-, cursa faculdade
de educação física e é o primeiro
homem a defender o país na modalidade desde Barcelona-92.
Por outro lado, o próprio Mosiah define isso como "preocupante". Por causa do assédio da
mídia, vê crescer a disparidade
entre o afluxo de meninas para a
ginástica e o de meninos. "Depois
que eu parar, alguém tem que ficar. Pô, por que eu vim até aqui?"
Na verdade, Mosiah acha que
tem pelo menos parte da resposta
para sua pergunta. Aposta que a
ginástica masculina vai pegar no
Brasil, mas não tão cedo.
A questão de fundo, aponta ele,
é que a ginástica feminina é uma
coisa, e a masculina é outra. "A dificuldade é em concorrência, em
número de atletas e qualidade. Eu
tenho adversários de países que
nem têm ginastas femininas."
Mosiah explica assim: a ginástica feminina tem restrições importantes de peso e estatura, o que limita o número de atletas. Além
disso, um ginasta consegue estender mais sua carreira (até por volta dos 30 anos), o que aumenta a
disputa entre os homens.
A despeito de estar sozinho nos
Jogos e de ter no máximo pretensão de sobreviver às eliminatórias, ele quer ir a Pequim-2008.
Depois disso, vai seguir trabalhando com esporte. E até nisso
seu destino está ligado ao da ginástica feminina. Divide a sala de
aula em Curitiba, onde mora e
treina, com Daiane e duas outras
integrantes da seleção: Camila
Comin e Caroline Molinari.
O que sobra é que as meninas
são sua equipe -"irmãs", como
diz. Todos os colegas que começaram com ele em Porto Alegre já
desistiram. Os que tentaram vaga
em Sydney também. E acha improvável que o time masculino vá
a Pequim. Mas a ginástica vale então o sacrifício da aventura quase
solo? "É uma escolha muito pessoal. Eu até podia jogar bola. Mas
queria ir um dia à Olimpíada."
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