São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2004

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"Pequeno Príncipe" faz vôo solo

Após ver colegas desistirem, Mosiah Rodrigues chega a Atenas como 1º ginasta do país na Olimpíada em 12 anos e afirma que sua equipe são as meninas da seleção

ROBERTO DIAS
GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADOS ESPECIAIS A ATENAS

Às vezes Mosiah Rodrigues olha sua vida e pensa se não deveria ter sido jogador de futebol. Aos 22 anos, poderia estar perto de um pé-de-meia para toda a vida.
Mas então ele olha de novo e vê que conseguiu chegar a uma Olimpíada, percebe que está bem longe de passar aperto financeiro e conclui: "Estou realizado".
Com 1,69 m e 61 kg, o único ginasta da delegação brasileira se acostumou desde cedo a não ter vida fácil. Começou sendo diferente, após ser apresentado à modalidade aos seis anos por um professor de uma escola pública de Porto Alegre, sua cidade natal. "Nesse tempo, a gurizada sempre quer sair para jogar bola", diz ele, que tem entre seus ídolos o técnico Luiz Felipe Scolari. Cinco anos depois, foi ao seu primeiro Brasileiro e decidiu: "Eu gosto disso".
Assumiu uma dura rotina de treinos no Grêmio Náutico União e se privou de férias e churrascos.
Um dia, quando Mosiah já contava mais de seis anos de ginástica, uma pequena garotinha entrou no clube para dar seus saltos. "Todo mundo falou: alto potencial, uma impulsão que ninguém tinha visto ainda." O nome dela: Daiane Garcia dos Santos.
De lá para cá, Mosiah viu seu esporte brilhar como nunca no Brasil, mas não para o seu lado.
É fato que isso é ótimo para ele: graças à estrutura que a Confederação Brasileira de Ginástica tem hoje, mora no alojamento em Curitiba, tem um salário mensal -recebe do clube, do patrocinador e da CBG-, cursa faculdade de educação física e é o primeiro homem a defender o país na modalidade desde Barcelona-92.
Por outro lado, o próprio Mosiah define isso como "preocupante". Por causa do assédio da mídia, vê crescer a disparidade entre o afluxo de meninas para a ginástica e o de meninos. "Depois que eu parar, alguém tem que ficar. Pô, por que eu vim até aqui?"
Na verdade, Mosiah acha que tem pelo menos parte da resposta para sua pergunta. Aposta que a ginástica masculina vai pegar no Brasil, mas não tão cedo.
A questão de fundo, aponta ele, é que a ginástica feminina é uma coisa, e a masculina é outra. "A dificuldade é em concorrência, em número de atletas e qualidade. Eu tenho adversários de países que nem têm ginastas femininas."
Mosiah explica assim: a ginástica feminina tem restrições importantes de peso e estatura, o que limita o número de atletas. Além disso, um ginasta consegue estender mais sua carreira (até por volta dos 30 anos), o que aumenta a disputa entre os homens.
A despeito de estar sozinho nos Jogos e de ter no máximo pretensão de sobreviver às eliminatórias, ele quer ir a Pequim-2008.
Depois disso, vai seguir trabalhando com esporte. E até nisso seu destino está ligado ao da ginástica feminina. Divide a sala de aula em Curitiba, onde mora e treina, com Daiane e duas outras integrantes da seleção: Camila Comin e Caroline Molinari.
O que sobra é que as meninas são sua equipe -"irmãs", como diz. Todos os colegas que começaram com ele em Porto Alegre já desistiram. Os que tentaram vaga em Sydney também. E acha improvável que o time masculino vá a Pequim. Mas a ginástica vale então o sacrifício da aventura quase solo? "É uma escolha muito pessoal. Eu até podia jogar bola. Mas queria ir um dia à Olimpíada."


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