São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2008

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Bandeira

EUA ESCOLHEM PARA SER SEU PORTA-BANDEIRA NA CERIMÔNIA DE ABERTURA DA OLIMPÍADA CORREDOR SUDANÊS QUE INTEGRA MOVIMENTO DE ESPORTISTAS CONTRÁRIO AO REGIME CHINÊS

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A PEQUIM

Foi cirúrgico. Foi pensado. Foi a pancada mais forte de um participante da Olimpíada nos organizadores chineses. E vinda do maior deles.
Principal potência da história olímpica e grande rival dos anfitriões pela ponta no quadro de medalhas, os EUA escolheram ontem o porta-bandeira para a festa de abertura dos Jogos, amanhã. Será Lopez Lomong, 23, apenas o terceiro colocado na seletiva americana dos 1.500 m.
Sudanês da tribo Boya e naturalizado americano em julho de 2007, Lomong é um dos mais ativos membros do Team Darfur, o mais organizado movimento de atletas contrários ao regime chinês.
Criado em 2007 para denunciar o genocídio no Sudão, o "time" congrega mais de 360 atletas e ex-atletas de 50 países. E questiona veementemente o papel da China, maior compradora de petróleo do país e complacente com a atuação dos grupos que hoje o controlam.
O Team Darfur é uma das dores de cabeça do comitê organizador dos Jogos. E embora o Usoc não tenha detalhado o procedimento que levou à escolha de Lomong, tudo indica que tenha sido reação a um ato do governo chinês.
Ontem à tarde, a delegação dos EUA em Pequim recebeu a notícia de que a embaixada chinesa em Washington revogou o visto de entrada no país do americano Joey Cheek, patinador medalhista de ouro nos Jogos de Inverno de Turim, em 2006. Ele é co-fundador, atual presidente da organização e autor da biografia de Lomong.
À noite, os capitães das equipes em Pequim elegeram o sudanês. O Usoc, o comitê olímpico dos EUA, aprovou.
Lomong tinha seis anos quando uma milícia invadiu sua aldeia e o seqüestrou, com outras crianças -o objetivo era treiná-los para serem soldados. Ele e três garotos mais velhos conseguiram fugir por um rombo na cerca. E caminharam por três dias, até cruzarem a fronteira com o Quênia e serem levados para um campo de refugiados.
Foi lá, conta, que se apaixonou pelo esporte: em 2000, andava 8 km para assistir, numa TV preto-e-branco, à Olimpíada de Sydney. No ano seguinte, aos 16, foi adotado por uma família americana, engrossando o grupo que ficou conhecido como "os garotos perdidos do Sudão".
Vivendo em Tully, no Estado de Nova York, conheceu o que era uma pista de atletismo e começou a correr. No ano passado, foi campeão universitário nos 1.500 m. E na seletiva dos EUA, em julho, levou a vaga final do país.
Em sua página na internet, www.lopezlomong.org, não faltam referências aos direitos humanos no seu país natal, o tipo de manifestação que a China tenta evitar.
"Preocupa-me a situação das crianças que estão morrendo em Darfur e no sul do Sudão. (...) Não me preocupo apenas com o que está acontecendo entre os governos chinês e sudanês, mas com o que ocorre com o povo."
Cena que agora soa de profunda ironia, enquanto a notícia da revogação do visto de Joey Cheek ganhava força, a cúpula do Usoc concedia entrevista no Parque Olímpico para elogiar os anfitriões e refutar qualquer possibilidade de protesto político nos Jogos. "Estamos aqui como esportistas", repetiu Peter Ueberroth, presidente do Usoc.
Pouco depois, a situação sofreria uma brusca reviravolta. Com conseqüências ainda a serem conhecidas.


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