São Paulo, sexta-feira, 07 de agosto de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

XICO SÁ

Caim x Abel


Torcer por times de fora pode provocar pendenga, como a entre os irmãos na Paraíba loucos por equipes do Rio


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, no embate Goiás 3 x 2 Flamengo, o destemido Hélio dos Anjos, comandante esmeraldino, cutucou as onças do Cerrado ao atacar os cidadãos brasileiros que são fanáticos pelo eterno time de Zico mesmo morando a milhares de léguas da velha Guanabara.
Em cadência raivosa, mas na passionalidade ludopédica, Dos Anjos criticou goianos que fazem romaria ao Serra Dourada para vibrar com o rubro-negro. É um direito de esperneadores, "júris estrebuchandis", de muitos desta Pátria, salve, salve.
Mas o Andrade, elegância dentro e fora da Gávea, que só perde em estilo para o Geraldo, deu um belo troco ao exaltar a possibilidade democrática de se amar qualquer time, esteja onde estiver, em um boteco do Cosme Velho ou na bela e baiana Muritiba.
Antes de desenvolver o tema, amigo, um minuto de silêncio e uma cerveja a mais para o craque sobrecitado, o Geraldo, que maravilha, jogava assobiando, sério, e melodias de Nelson Cavaquinho para cima, juro, tipo assim "tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor", além de muitos boleros, vida noves fora zero. Mais elegante do que o Geraldo, morto precocemente, apenas o Didi, mas este não vi em carne e osso, só no videoteipe, chuvisco em preto e branco com um bombril na antena, faz favor.
Voltemos ao tema da cumeeira, para cima com a viga. Muita gente não compreende, mas torcer por times de fora é um fenômeno nacionalíssimo. Não citarei o Datafolha, velho Cartola, em respeito aos teus versos. Ora, se as rosas não falam, imaginem os tristes e frios números!
Um fenômeno, registre-se em cartório, do qual nem o Recife -ao lado de Porto Alegre, a capital mais resistente aos times ou às modinhas do eixo Rio-SP- escapa. As invasões ao Arruda, aos Aflitos e à Ilha de Lost, reconheça-se firma, sempre foram obra da maior torcida organizada do mundo, a Fla-Nego, da Paraíba, que empresta o nome da desobediência cívica da bandeira do bravo Estado.
Não há razão na pendenga, mas boto mais alguns troncos de lenha na fogueira dialética. Além do massacre da tevê sudestina, que só passava jogos do Rio -nos anos 90 também de São Paulo-, o amigo do interior, por mais que fosse forte o time da sua cidade, não podia frequentar o estádio da sua capital, tão perto do coração e tão longe do seu bolso.
Alguns ainda tinham sorte, como eu, de ter um Icasa, de Juazeiro, que duelava com o Guarani, o bravíssimo Leão do Mercado. Mesma sorte dos interioranos que tinham os Treze x Campinense e os inigualáveis Come-Fogos. Falar nos clássicos de todas as infâncias, amanhã tem a edição 150 da peleja ribeirão-pretana, contando os jogos amadores, óbvio. Durvalzim, o maior secador da história, me avisa, não dorme desde sexta, vuduzando o tricolor, claro.
Poxa, amigo, é fácil morar em capital e exigir fidelidade ao time grandão do peito, mas quem nasceu lá nas brenhas, sem um clube para amar no estádio, é lindo que vislumbre um Flamengo, um Santos, um São Paulo, um Palmeiras, um Corinthians... Sem se falar num Vasco, por quem um irmão matou outro na Paraíba, anos 80, no primeiro Caim x Abel ludopédico. Os dois no mesmo sofá vendo na tevê. Jogo contra o Flamengo. Bíblico!
xico.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Ação: O Tour de sonho do Slater
Próximo Texto: Esquema de doping pode até pôr técnico na prisão
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.