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Dedo na ferida
Mano Menezes aponta erros de estrutura na CBF, como Granja Comary obsoleta, falta de plano único para divisão de base e falta de acompanhamento de jogadores
MARTÍN FERNANDEZ
RODRIGO MATTOS
DE SÃO PAULO
Dunga e Felipe Mello são
apontados como culpados
pelo fracasso na Copa-2010.
Carlos Alberto Parreira e Roberto Carlos foram os vilões
da vez no Mundial de 2006.
O diagnóstico se alastrou
pela maior parte da mídia e
refletiu-se no público. Os técnicos também sofreram ataques públicos do presidente
da CBF, Ricardo Teixeira.
Mas esse não é o diagnóstico feito pelo novo treinador
da seleção, Mano Menezes,
em entrevista à Folha.
Para ele, falhas na organização da CBF pesaram nas
duas eliminações. A falta de
planejamento do trabalho na
divisão de base, a de infraestrutura na Granja Comary e a
de acompanhamento dos
atletas da seleção no exterior
são apontadas como erros.
Segundo o técnico, a confederação tem a mesma visão
e já prepara mudanças.
Em campo, Mano disse
que é preciso tempo e uma
base para montar um time
dominante e com posse de
bola como a Espanha.
Folha - Já tem uma rotina como técnico da seleção?
Mano Menezes - Interajo
com as instituições antes de
propor qualquer alteração ou
nova maneira de trabalhar.
Justamente para não chegar
com aquela arrogância. Chega, quer tudo novo, destrói
tudo, como se a gente fosse o
único a saber como funciona.
Como vai ser o relacionamento com os jogadores?
Muito próximo, mesmo.
Muitas vezes você não conta
com a boa vontade do clube.
Então, para não incorrer nesse risco maior, é bom sempre
estabelecer uma relação muito próxima com os jogadores.
Para isso, em determinados
momentos, vamos viajar. Em
outros momentos, vamos expor projetos que temos aos
clubes. Falo especificamente
sobre a seleção olímpica.
Como convencer os clubes?
A Olimpíada não é um torneio reconhecido pela Fifa.
Existe até a intenção contrária: de a Fifa não valorizar o
torneio olímpico para não esvaziar a Copa. Então você
precisa estabelecer uma
ideia de que vai ser bom para
o clube que determinado jogador esteja na Olimpíada
como valorização. E, para isso, é preciso mostrar organização, projeto sério, deixar
claro o período em que os
atletas estarão à disposição.
Houve um jogador que não
queria jogar nesta primeira
convocação...
Não foi assim. Estamos em
pré-temporada. O que nós fizemos: fizemos uma pré-lista
de 55 jogadores, um contato
prévio. Não falamos que seriam convocados. Apenas
perguntamos se estavam em
condições de serem. Fomos nós que, a partir dessa informação, soubemos quem não
seria convocado.
Você já sabia sobre a operação de Kaká?
Sabíamos da informação
pelo doutor Runco [médico
da seleção]. Já era uma situação que vinha nos últimos
dias sendo analisada.
Conversou com Kaká desde
que assumiu a seleção?
Não. Porque os jogadores
que jogaram a Copa, os mais
titulares, que se desgastarammais, que se expuseram
mais, eu tinha uma ideia de
nesse primeiro momento de
não inclui-los. Exatamente
por isso: perde uma possibilidade de ser campeão, o desgaste é inevitável, jogadores
já com trajetória na seleção...
Há um limite de idade máxima para jogar a Copa?
Usou-se muito o exemplo
da Alemanha, que jogou
uma Copa muito boa, e que
tinha como média de idade
24, 23, 25 anos. E aí, comparativamente com a nossa, se estabeleceu que a nossa estavanuma média mais alta do
que todas. Mas eu penso que
vai depender muito do rendimento dos jogadores quando
estiverem próximos de uma
Copa. Não deve ter um limitador. Mas me parece que a média, a situação normal, é que
seja um pouco mais abaixo
do que foi na [Copa] passada.
A seleção de Dunga era fechada sobre o ponto de vista de
informação. Como vai ser a
sua seleção?
A seleção brasileira é um
dos assuntos que mais interessam ao povo brasileiro. A
grande maioria das informações você pode tranquilamente tornar pública. Existem outras pequenas informações, num número muito
menor, que você guarda. Porque é assim o jogo. Não sou
técnico de fechar ou podar
este ou aquele. Temos que
ser responsáveis, porque cada um vai ocupar uma parte
importante da seleção, que é
nossa como um todo.
É a segunda Copa em que o
diagnóstico é que tudo foi errado. Você tem diagnóstico?
Embora de maneiras diferentes de conduta, as duas
últimas seleções tiveram trajetórias muito parecidas. Nós
vencemos quase tudo até a
Copa. E não fizemos uma
grande Copa. Falo de maneiras diferentes, porque a outra
se falou que foi tudo muito
aberto, que não nos preparamos adequadamente. E nesta falamos exatamente o contrário, tudo muito fechado, e
isso atrapalhou. O que prova
que talvez não seja nem por
uma situação nem por outra.
Parece a mim que é isso que
temos que prestar atenção,
procurar as causas. Por que
não chegamos tão bem? Por
que nossos principais jogadores não chegaram tão
bem? Provavelmente existe
uma relação com as suas
temporadas europeias.
Talvez tenhamos que cuidar
individualmente de nossos
jogadores, nos seus clubes.
Mais do que fazemos hoje.
Porque temos informações
que em termos de recuperação, os nossos jogadores estão tendo dificuldade na Europa, porque o trabalho é diferente, porque as concepções são diferentes de recuperação de um jogador, muitos deles vêm ao Brasil...
Pretende mandar mais profissionais à Europa para isso?
É difícil trazer os jogadores
para cá porque há uma desconfiança muito grande dos
clubes. Eles têm contratos
com os clubes e precisam estar lá. Então talvez tenhamos
que fazer o inverso. Já acontece isso em alguns casos. E
agora, na conversa que tivemos, discutimos internamente com a confederação,
temos essa visão. Muitos deles encontraram dificuldades, e há pouco tempo você
citou o Kaká. Foi um deles.
Pela sua leitura, para além da
mídia, houve problemas técnicos, estruturais, ligados ao
rendimento em campo?
Claro, claro. Isso é assim.
Esses jogadores, a grande
maioria, fez parte dessa sequência muito boa. Se a gente olhar para trás, na outra
Copa do Mundo, também.
Ganhamos a Copa das Confederações, um ano antes, e a
outra também. E eram praticamente os mesmos jogadores. E neste um ano as coisas
aconteceram, nós temos que
investigar bem. Há coisas
aleatórias, mas tem coisas
que são padrão, e tem que
atacar aquilo que se repetiu.
Você pretende ter influência
na escolha dos adversários
em amistosos da seleção?
Na temporada europeia,
nas eliminatórias, vai acontecer que uma das seleções
que fica sobrando. E sempre
uma vai sobrar, essa geralmente vai ser a preferência
do amistoso pelo nível técnico, porque é importante. Já
que não jogaremos as eliminatórias, vamos estabelecer
um grau de exigência maior.
Sua chegada sinaliza um estilo mais ofensivo e brasileiro.
Até que ponto o pragmatismo
de obter resultados para se
manter vai interferir?
Não tenho ilusões quanto
a isso. Considero o resultado
parte importante do trabalho
de afirmação de um trabalho.
Objetivamente, não vamos
poder ficar perdendo para
todo mundo e achar que as
coisas estão bem e que tudo
não vai mudar porque o plano e a ideia são bons.
Você tem uma ideia de como
quer que seu time jogue? O time do Dunga ficou caracterizado pelo contra-ataque.
A grande maioria das seleções jogou em contra-ataque
na Copa. Até a Alemanha,
que eu gostei muito, jogou no
contra-ataque. A exceção foi
a Espanha. Que era a equipe
que trabalhava a posse de
bola no campo do adversário. E que, quando perdia a
bola, fazia marcação pressão
para fazer a retomada dentro
do campo do adversário. A
gente não consegue isso porque quer. Não basta boa intenção. A Espanha chegou a
esse ponto depois de muito
tempo, com a confirmação
da Euro. Também trouxe a
base do Barcelona. Nós ainda não temos a base de uma
equipe brasileira assim. Tivemos os primeiros passos do
Santos, que infelizmente já
começa a se desmanchar.
Precisamos ter mais sustentação para jogar assim e
ficar próximo da vitória.
Nesta rotina de reuniões,
qual sua primeira impressão
sobre Ricardo Teixeira?
Minha impressão foi boa.
Trata as questões bem objetivas. Dá respaldo para quem
trabalha. Com relação à confederação, fiz uma visita à
Granja Comary. Estamos um
pouquinho defasados nos aspectos estruturais, o que já
era de conhecimento da CBF.
Por exemplo, aparelhos, fisioterapia?
Campos, aparelhos, dependências onde os jogadores ficam. É natural, porque o
local já tem 23 anos.
Os últimos treinadores viraram vilões. A CBF os criticou.
Preocupa o fato de você ser o
próximo quando há outros
problemas?
Não é só o meu diagnóstico. Ele existe dentro da confederação. Precisamos cuidar um pouco com o que é
exteriorizado e com aquilo
que se pensa mesmo. Essa
situação só comprova a necessidade de reestruturação,
que é uma consciência geral.
É inadmissível que se trabalhe durante quatro anos e se
descubra depois de quatro
anos que alguém não era a
pessoa. Nós precisamos descobrir isso mais rápido.
Houve pedido seu à CBF?
A ideia inicial era que haveria renovação. Digo que é
importante. E que esse talvez
seja o maior erro: a gente
convidava um técnico para a
seleção sub-20, um para a
sub-17 e um para a principal e
cada um fazia o trabalho como achava que devia. A dissonância na forma como cada um vê o trabalho é muito
maléfica. Queremos definir
uma linha, metodologia. Na
seleção principal, devemos
ter atleta que provavelmente
foi da sub-20, da sub-17.
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