São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2001

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SURFE

Polêmica sobre pioneirismo do esporte no país tem novo personagem, que "andou" uma onda em Santos nos anos 30

Thomas, 84, o primeiro surfista do Brasil

CARLOS SARLI
DA "TRIP"

Reconhecidos como os pioneiros do surfe no país até o final da década de 80, os cariocas ainda relutam em aceitar a versão publicada em "A História do Surf no Brasil", de Alex Gutenberg, segundo a qual os autênticos pioneiros foram os paulistas de Santos Osmar Gonçalves e Jua Haffers.
Cerca de 20 anos separam as duas fases do surfe nacional. Enquanto Osmar e Jua deram suas primeiras deslizadas no canal 3, em 1938, Paulo Preguiça, Irencyr Beltrão e Jorge Paulo Lehman experimentaram as emoções das "tábuas havaianas" no Arpoador, em meados dos anos 50.
Os cariocas argumentam que as pranchas utilizadas pelos santistas eram de remada, mas imagens dos santistas em pé sobre a prancha não dão margem a dúvidas.
Se essa discussão andava esquecida, outra surge para levantar a memória do surfe brasileiro. A partir de uma informação de Diniz Iozzi, pesquisador do assunto, a revista "Trip" chegou ao senhor Thomas Rittscher, 84, o santista que afirma não ter visto ninguém surfando no Brasil antes dele.
A seu favor, a idade -é cerca de oito anos mais velho que os conterrâneos-, a prancha modelo Tom Blake anterior, as anotações nas imagens e o fato de Jua, uma das poucas testemunhas vivas, quando indagado sobre o assunto, não ter negado. Afirmou, isto sim, que ele e Osmar é que levaram adiante o esporte. Rittscher confirma. Além disso, é claro, o testemunho de um octogenário acima de qualquer suspeita. Confira a seguir e tire suas conclusões.

Pergunta - O senhor é o primeiro a surfar uma onda no Brasil?
Thomas Rittscher -
Sou. Na praia juntava gente para assistir. "Olha o homem andando em cima da onda", o povo dizia. Eu não vi ninguém surfando [no Brasil" antes de mim. Pode ser que tenha tido alguém, mas duvido.

Pergunta - Em que ano foi isso?
Rittscher -
Não me lembro bem, estou com 84 anos... Mas foi entre 1934 e 1936.

Pergunta - Durante quanto tempo o senhor surfou?
Rittscher -
Não muito. Eu não era muito persistente numa porção de coisas. Comecei com a tábua havaiana, que tirei daquela revista ["A História do Surf no Brasil" conta que foi o pai de Osmar quem teria trazido dos EUA um exemplar da "Popular Mechanics", revista sobre mecânica de onde ele e Jua tiraram o modelo da prancha". Depois, fiz um barquinho pequeno: peguei duas tábuas, juntei, tampei para não entrar água e me dediquei à vela.

Pergunta - Essa revista é aquela que Osmar e Jua usaram para fazer as pranchas deles?
Rittscher -
Sim. A revista era minha. Emprestei-a para o Jua Haffers, e foi daí que ele e o Osmar construíram a segunda prancha.

Pergunta - O senhor lembra de ter visto Osmar e Jua surfando?
Rittscher -
Não. Acontece que estourou a Segunda Guerra, e fui trabalhar numa firma no Rio. Lá, me dediquei mais à vela, não cheguei a ver ninguém surfando.

Pergunta - E como era levar aquela prancha enorme para a praia?
Rittscher -
Vinha com ela nas costas, bufando. Aquela porcaria pesava pra burro. É que o pessoal já morreu, senão qualquer um poderia te dizer se eu passava com ela nas costas ou não. O pessoal se reunia em frente à rua Jorge Tibiriçá, e nós ficávamos brincando com peteca, essas coisas. Se tinha onda, eu andava [surfava" um pouco, se não, ficava deitado em cima, como fazem no seriado de TV "Baywatch".

Pergunta - O senhor teve algum interesse em acompanhar a evolução do surfe?
Rittscher -
Naquela época, eu surfava e gostava muito. Depois, apareceu o negócio de barco a vela, as regatas daqui [de Santos" ao Rio de Janeiro e outras mais longas. Sou um dos fundadores do Iate Clube de Santos e me interessei mais pela vela.

Pergunta - O senhor sabe que Osmar foi reconhecido como o pioneiro do surfe no Brasil?
Rittscher -
Sim.

Pergunta - Isso não chateou o senhor de alguma forma?
Rittscher -
Não, não. Talvez eu seja o culpado, não estava ligando muito para isso, não acompanhei o surfe. Não sou, como o pessoal fala, um rato de praia.

Pergunta - À época, o senhor procurava ondas em outros lugares?
Rittscher -
Eu gostava de ondas maiores, de um metro e meio, um pouco mais. Entre a ilha Porchat e a praia das Vacas tinha ondas muito boas...

Pergunta - Como o senhor fazia para explorar praias distantes?
Rittscher -
Minha irmã tinha um conversível. Era só pôr no carro.

Pergunta - Osmar e Jua eram seus amigos?
Rittscher -
O Jua era meu amigo. Não tinha ligação com o Osmar.

Pergunta - Faltou ética a eles ao não mencionarem o senhor quando tiveram oportunidade?
Rittscher -
Tenha paciência... Você faria isso?

Pergunta - Mas o senhor foi definitivamente o primeiro surfista do Brasil?
Rittscher -
Fui, sim senhor.


A íntegra desta entrevista será publicada na próxima edição da revista "Trip"



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