São Paulo, Domingo, 07 de Novembro de 1999
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A marca

Reuters - 20.jan.97
Pelé, então ministro brasileiro, promove o relançamento do café que leva seu nome em Moscou



Ex-ministro muda versão várias vezes ao longo da história para origem de apelido, uma grife só menos conhecida na Europa, nos anos 70, do que a Coca-Cola


Por isso, numa época em que poucos jogadores se dedicavam à publicidade, Pelé decidiu explorá-la ao máximo.
Já em 1961, registrou seu apelido no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) e passou a vender televisores, pilhas, material esportivo, chocolate, café e vitaminas, entre outras dezenas de produtos, recebendo porcentagem que variava de 2% a 20% do faturamento com as vendas.
Aconselhado por seu pai, chegou até mesmo a emprestar seu nome a uma bebida alcoólica, a ""Caninha Pelé", devendo receber, em troca, o equivalente hoje a R$ 90 mil por um contrato de dez anos, dez vezes mais do que o que lhe tinha sido oferecido inicialmente. Mas, após ter assinado o contrato, conversou com Zito e Pepe e acabou se arrependendo, com receio de ver sua imagem desgastada -e portanto desvalorizada- se, de fato, a deixasse vinculada a uma bebida alcoólica.
Depois de desfazer o acordo, prometeu jamais vender cigarro ou álcool, princípio que mantém até hoje.
Os contratos publicitários foram muito importantes, mesmo porque, comparado com os salários de jogadores consagrados nos anos 90, como Ronaldo, da Inter de Milão, que chega a receber US$ 500 mil por mês, o de Pelé poderia ser considerado irrisório.
""Hoje as coisas são diferentes. Veja o Ronaldinho (do Grêmio). Na final do Campeonato Gaúcho, fez aquela linda jogada para cima do Dunga e ganhou aumento no vestiário. Depois, foi para a seleção brasileira e chegou a quase R$ 100 mil por mês. Nos meus tempos não era assim."
E mesmo para os padrões da época, Pelé só foi o maior salário do elenco santista no final de sua carreira.
No primeiro contrato com o Santos, ganhava cinco contos, ou seja, Cr$ 5 mil. Mandava Cr$ 2,5 mil para casa, usava Cr$ 2 mil para pagar a pensão em que morava e ficava com os Cr$ 500 restantes. Atualizando o valor para reais, os Cr$ 5 mil equivalem a R$ 261,40, cerca de dois salários mínimos.
Depois do título mundial de 1958, recebeu aumento, mas não passou do nono lugar no ranking dos atletas que mais recebiam no time praiano. Dois anos depois, era o quinto, atrás de Zito, Pepe, Gilmar e Jair da Rosa Pinto.
No decorrer dos anos 60, passou para terceiro no ranking. Só no início da década de 70, quando, incluindo cotas estipuladas para a disputa de amistosos no país e participação em eventos promocionais organizados pelo clube, recebia até R$ 50 mil mensais, chegou ao primeiro lugar.
Em termos de faturamento, porém, graças à popularidade do nome Pelé e aos contratos publicitários conseguidos, que chegaram a aumentar seus rendimentos em alguns meses em mais de 800%, desde o início dos anos 60 era quem mais ganhava entre os atletas santistas.
Mas a origem de seu apelido, uma marca nos anos 70 só menos conhecida na Europa que a Coca-Cola, segundo pesquisas da época feitas por uma empresa francesa, é incerta. O próprio Pelé dá várias versões para seu surgimento.
À Folha, disse que o apelido se deve a um goleiro do Vasco, de São Lourenço, time mineiro pelo qual jogava Dondinho, seu pai.
""O goleiro deles chamava-se Bilé", relatou Pelé. ""Quando eu ou uma outra pessoa defendia a bola, comecei a gritar: Biléééé! Em Bauru, as pessoas não entenderam direito e acharam que eu gritava Pelé e foi assim que começaram a me chamar."
Mas a história contada à Folha não bate com a relatada ao escritor Benedito Ruy Barbosa, que escreveu o livro ""Eu sou Pelé", em que o então jogador do Santos, em 1961, descrevia episódios de sua infância.
A ele, Pelé disse que não fazia idéia de onde surgira o apelido.
""Não me lembro como ele nasceu, nem quem foi que o inventou. Sei apenas que foi alguém da minha turminha, em meio a brincadeiras de rua. Quando dei por mim, ninguém mais me chamava de Dico (como era conhecido desde que nasceu), a não ser o pessoal de casa."
Em depoimento para o Museu da Imagem e do Som, em setembro de 1970, afirmou que quem mais o chamava de Dico era sua mãe. Até que teria surgido ""Pelé", quando um turco, que não gostava que os meninos jogassem bola em frente à sua loja de fazer fazendas, começou a se dirigir a ele com um ""Quelé, aqui não, Quelé, vai para lá!". Daí para Pelé teria sido um pulo.
Mas, em outra ocasião, disse que quem inventou o apelido foram três amigos de infância, todos de origem japonesa. Como a princípio não gostava de ser chamado de Pelé, quanto mais irritado ficava, mais o nome se firmava.
""Eu tinha muitos amigos em Bauru descendentes de japoneses", afirmou. ""E foram eles que criaram o nome Pelé. Nem me lembro bem o porquê, só sei que, no começo, não aprovei. Reclamava tanto na escola, que todos começaram a me chamar assim", explicou, em entrevista a uma emissora de TV, logo depois do Mundial dos EUA, em 1994.
E ainda brincou ao dizer que ""eles foram tão importantes na minha vida, que, além do apelido, jogaram umas partidas de beisebol comigo, fazendo que eu percebesse que meu negócio era mesmo o futebol".
Devido a sua popularidade no exterior, costuma ofuscar quaisquer personalidades que se encontram com ele. Foi o que aconteceu com Mikhail Gorbatchov, ex-líder soviético, no auge de sua popularidade no Ocidente, durante os anos 80.
Foi o que aconteceu também com Havelange e o espanhol Miguel Induráin, um dos maiores ciclistas de todos os tempos, durante escolha em Lausanne, na Suíça, das cidades finalistas para abrigar a Olimpíada de 2004.
Se a derrota do Rio irritou profundamente o dirigente, que saiu pelos fundos da sala onde foram anunciadas as cidades finalistas, Pelé o aborreceu ainda mais.
Assim que os jornalistas e os membros do Comitê Olímpico Internacional viram o ex-jogador, todas as outras personalidades, incluindo o então presidente da Fifa, foram deixadas completamente de lado.
Como sempre acontece, uma verdadeira algazarra se formou em torno do ídolo.
Ao lado de dois repórteres que acompanhavam à distância o assédio a Pelé, que até a membros do COI chegou a dar autógrafos, Havelange ainda teve de ouvir o comentário de um deles, que desconhecia o problema entre os dois: ""É impressionante como o Pelé é adorado, é a pessoa mais conhecida do mundo, não tem ninguém que não goste dele..."
Tão grande é a força de seu nome, inclusive nos Estados Unidos, onde o futebol, em especial entre os homens, ainda não deslanchou, que graças a ele tem feito diversos negócios no país.
Virou até ator de Hollywood, atuando no filme ""Fuga para a Vitória", sob direção de John Huston e ao lado de Sylvester Stallone e Michael Caine. Herói da trama, na cena final fazia um gol de bicicleta contra um time de nazistas em um campo de concentração.
Mas é no mercado asiático, que receberá pela primeira vez uma Copa do Mundo em 2002, que aposta suas fichas no início do próximo milênio.
""Estou lançando jogos eletrônicos no Japão, bicicleta na China, o Café Pelé é o maior sucesso na Ásia e na Rússia, tenho convite de emissoras de TV para comentar o Mundial... E quero fazer do Pelezinho o ídolo da garotada no Japão e na Coréia (do Sul)."
E um dos atrativos da nova série do personagem criado por Maurício de Souza será justamente Neusinha, sua segunda namorada, que se tornou amiga da mãe do ex-jogador. ""Por ser descendente de japoneses, ela vai ser o maior sucesso na Copa de 2002", disse Pelé, que, para produzir 52 capítulos da história para TV está investindo US$ 3,5 milhões.
Além do mercado asiático, ele afirma ter a intenção de se dedicar com mais afinco ao terceiro setor, praticando ações sociais.
""Quando eu falava para olharem as criancinhas do Brasil, não estava brincando", desabafou, referindo-se à declaração dada após marcar o gol tido como o milésimo de sua carreira, feito que dia 19 completará 30 anos.
E diz que, dentro do possível, está fazendo sua parte. Lembra, por exemplo, que depositava os salários de seu último contrato com o Santos, de 5 de outubro de 1973 a 4 de outubro de 1974 numa conta especial a fim de auxiliar as casas de caridade da cidade.
Num levantamento da Prefeitura, havia o registro de 73 asilos, orfanatos e creches em Santos. As Empresas Pelé bolaram, então, um formulário, remetido a todos eles, para que avisassem suas necessidades principais.
Nada seria pago com dinheiro, mas com prestação de serviços, como reforma nas instalações e compras de bens e utensílios.
""Era uma forma de saber como o dinheiro que eu doei estava sendo investido", explicou, ressaltando que agora pretende lançar uma ""fundação para a paz'".
O projeto, idealizado no ano retrasado em Nova York, num escritório no andar de cima de um restaurante brasileiro, na rua 53, entre a Primeira e a Segunda Avenida, é para o ano 2002, justamente no período da Copa do Japão e da Coréia do Sul.
""O futebol é um instrumento da paz e é assim que eu quero que seja. Na África, no Japão, na Iugoslávia, em Israel, na Arábia, em qualquer lugar, você fala de Brasil e todos saúdam Pelé e a seleção. O Pelé é uma coisa de Deus e a gente tem que saber usá-lo", disse o ex-jogador, sem entrar em maiores detalhes sobre o projeto.
Mas é no Brasil que tem a intenção de passar a maior parte do tempo, como já vem ocorrendo desde o final de 1994, ano em que casou pela segunda vez.


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