São Paulo, quinta-feira, 07 de dezembro de 2006

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Vamos legalizar a maracutaia! Oba!


Com a lei de incentivo, Lula abrirá mandato privatizando suas obrigações e dando dinheiro a quem já tem


LEGALISTA LEITOR , legal leitora, está para ser aprovada pelo Senado a Lei de Incentivo ao Esporte. É uma péssima lei. Uma lei que vai concentrar renda e que facilitará a corrupção.
A coisa vai funcionar, ou não funcionar, assim: as empresas poderão aplicar até 4% de seu Imposto de Renda devido (e as pessoas físicas, 6%) em esporte. Ou seja, se uma grande empresa vai pagar 100 milhões de IR, poderá pegar R$ 4 milhões e aplicar num projeto esportivo devidamente cadastrado para receber a bufunfa. Parece bom, mas não é. Pelo contrário. De cara, há um problema ético: teremos empresas privadas gerenciando dinheiro público. É como se o leitor decidisse que parte do imposto que ele paga fosse usado para asfaltar sua própria rua.
Não é essa a idéia do IR. A idéia é fazer uma redistribuição, e essa redistribuição é um trabalho do governo. Para isso é que ele existe. A lei também vai favorecer o apadrinhamento e a corrupção. Por exemplo, um corrupto gerente de marketing pode propor a um clube o seguinte: "Eu dou R$ 1 milhão para o seu clube, mas você me devolve metade e cobre a diferença com umas notas frias".
Ou então a empresa pode beneficiar entidades que estejam envolvidas com amigos, e assim um sensível empresário poderá dizer: "Vou dar este dinheiro para a equipe de equitação do Armandinho, assim eles poderão importar alfafa da Ucrânia. É muito mais fofinha". Em tese, o dinheiro de nossos tributos deveria obedecer a uma meritocracia, ou a uma escala de necessidades. Mas vai acabar obedecendo ao cunhadismo, ao nepotismo, ao filhismo. Mais valerá ser amigo de infância de um dono de empresa do que ter um trabalho sólido no esporte.
E não me venha dizer que as empresas privadas terão interesse em expor sua marca da melhor maneira possível e blablablá. Papo furado! O dinheiro do marketing e da publicidade é outro. Este é um perdão fiscal, e a maneira de ele se tornar mais rentável é ir direto para o bolso de alguém. Há também o problema da concentração de renda. Pense bem, leitor, fosse você dono de uma empresa, onde iria gastar os seus 4%? Num grande time de futebol ou numa escolinha de ginástica olímpica da periferia? Talvez a madre Teresa de Calcutá gastasse na escolinha, mas o resto da humanidade...
E, pior que isso, a proposta de lei não faz clara distinção entre doação e publicidade. Ou seja, o governo estará pagando a publicidade de muitas empresas por aí. No cinema brasileiro, é utilizada uma lei muito parecida, a Lei do Audiovisual. E também não deu certo.
O que aconteceu lá, além de várias suspeitas de corrupção, foi uma brutal centralização dos recursos pela GloboFilmes. E essa é uma conseqüência óbvia, afinal, se eu fosse investidor, também ia preferir vincular minha empresa a um filme que está vinculado a uma poderosa rede de TV, e não a cineastas independentes. Ou seja, no final das contas, leis como essa servem para dar dinheiro a quem já tem, e não para apoiar projetos de base.
O melhor seria que esses impostos fossem para um fundo, e então comissões especializadas decidiriam para onde ele iria. Aí, sim, teríamos uma meritocracia. Lula (em quem, confesso, votei) bateu o tempo todo em Alckmin por conta da privatização peessedebista, mas vai começar seu novo mandato privatizando as suas obrigações, que são definir prioridades e dizer para onde vai ou não o dinheiro dos impostos.
O governo pode não privatizar empresas, mas privatiza seu próprio dinheiro e terceiriza seu trabalho. Lamentável.

torero@uol.com.br


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