São Paulo, segunda-feira, 08 de janeiro de 2001

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FUTEBOL
Por uma final decidida "na bola"

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Hoje deve sair, finalmente, a definição do campeão brasileiro do ano 2000 ou, pelo menos, uma decisão sobre como ele será escolhido.
Nos últimos dias, choveram na imprensa especulações, informações contraditórias e as mais variadas opiniões sobre como deve ser o desfecho desse imbróglio.
Do ponto de vista jurídico, parece que o time do São Caetano tem o direito de pleitear o título, amparado nas leis que regem o futebol e no regulamento da Copa João Havelange.
Apesar disso, eu considero que proclamar campeão o clube do ABC paulista seria um grande equívoco.
O eventual título, conquistado nos tribunais, nunca seria plenamente reconhecido pela comunidade futebolística brasileira -e muito menos pelos torcedores de todo o país.
Temos antecedentes instrutivos: os dois campeões brasileiros de 1987 (Sport e Flamengo) e os dois campeões paulistas de 1973 (Santos e Lusa).
Em ambos os casos, muito diferentes entre si, estão envolvidos títulos contestados e pouco respeitados, que figuram no folclore do futebol brasileiro.
Para o torcedor, o que vale é o título conquistado "na bola", dentro de campo. Por isso, se não houver um confronto definitivo entre Vasco e São Caetano, o torcedor brasileiro (não apenas o vascaíno e o são-caetanense) vai se sentir frustrado.
Alguns afoitos poderão perguntar: "Se é para agradar o público, por que não deixaram a partida de sábado retrasado ser reiniciada, já que a torcida gritava "Queremos jogo'?".
Ora, só a má-fé (ou a burrice) impedirá alguém de perceber que se trata de duas coisas totalmente diferentes.
Uma nova partida, realizada em condições seguras, sem superlotação, sem alambrado destruído e sem o trauma da tragédia, não se compara à demagogia perigosa que seria a continuação do jogo do dia 30 de dezembro.
Sei que são muitos os obstáculos para a realização de uma nova partida entre Vasco e São Caetano: transferências de jogadores, férias, estádios em reformas etc.
Mas penso que os clubes envolvidos deveriam assumir uma atitude madura e generosa e se esforçar para superar todas essas dificuldades.
Para os dirigentes, seria uma chance de não sair dessa história com a imagem de homens mesquinhos e oportunistas.
Para os jogadores, seria uma maneira de mostrar que seu senso profissional e seu amor ao futebol vão além do interesse financeiro imediato.
Acredito que, em cada jogador, por mais famoso e bem pago que seja, exista um lado lúdico e peladeiro, além do lado frio do profissional em busca de salário e estabilidade.
Esse lado lúdico e peladeiro, de quem tem prazer em correr atrás da bola, deveria prevalecer num momento como este.
É preciso que todos -incluindo aí a gananciosa e autocentrada Rede Globo- percebam a importância e a gravidade do momento vivido pelo futebol nacional.
Um escritor (não me lembro quem) disse certa vez que um homem poderia redimir uma vida indigna se soubesse morrer com dignidade.
A Copa João Havelange tem agora a mesma chance. Foi um festival de erros do começo ao fim, mas pode agora se redimir com uma final histórica, que faria o torcedor brasileiro voltar a acreditar no futebol de seu país.
(Falo isso por mim: gosto tanto de futebol que sempre me desaponto um pouco quando o jogo acaba, mesmo que meu time esteja vencendo).
Tudo pode ser arranjado: o Palmeiras, por exemplo, pode ter um seguro para uma eventual contusão de Claudecir (jogador do São Caetano contratado pelo clube); os jogadores podem ganhar um adicional por estar trabalhando nas férias; a televisão poderia vender quotas extras de patrocínio.
Valerá a pena tanto esforço? A resposta está nos batidos versos de Fernando Pessoa: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena".
Chegou a hora de ver quem sabe ser grande e quem tem a alma irremediavelmente pequena.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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