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São Paulo, terça-feira, 08 de abril de 2003

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FUTEBOL

Palito e Azeitona ou Apolo e Dionísio

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Esta manhã fui até o Flor do Lodo, bar onde sempre encontro temas interessantes ou, pelo menos, um salgadinho:
- Essa coxinha é de hoje, Almeida?
O garçom conteve a risada, colocou a coxinha num prato e me desejou boa sorte.
Enquanto eu criava coragem para dar a primeira mordida, notei que, na mesa redonda do fundo, dois senhores discutiam. Um era magro e alto, o outro, gordo e baixo.
- Quem são?, perguntei ao Almeida.
- O comprido se chama Apolo, mas o apelido é Palito. O gordote é o Azeitona, mas o nome é Dionísio. Eles sempre vêm aqui e ficam discutindo a rodada. E nunca dão gorjeta, como você.
Fiquei observando-os por um espelho. Palito falava manso, gesticulava pouco e, volta e meia, ajeitava sua puída gravata-borboleta para que ficasse paralela ao queixo. Azeitona tirava cera da orelha com o mindinho. Eles falavam sobre qual tinha sido o melhor jogo da rodada.
Ao mesmo tempo em que cofiava o bigode, Palito argumentava:
- Gostei deveras do empate no prélio entre Corinthians e Figueirense. Foi interessante ver como o zagueiro César conseguiu mudar o próprio destino em poucos minutos. Ele iria passar a semana sendo chamado de zagueiro de segunda classe, de velho, de refugo e outras coisas. No fim, acabou sendo o herói da partida.
- Blurp, discordou Azeitona com um arroto. O melhor jogo foi o do Vasco, que teve dez gols. E o melhor jogador foi o Deivid, que marcou três.
Assim o assunto passou para gols, e logo eles debatiam sobre qual teria sido o melhor de toda a rodada:
- O de Evair Aparecido Paulino, sem dúvida. O homem é como o vinho: quanto mais velho, melhor. Quando pensam que ele, enfim, vai se aposentar, eis que ressurge com outra camisa e continua encantando as torcidas com seus toques precisos e sua rara visão de jogo.
- Blurp! Bobagem. Gol mesmo foi aquele do Flamengo. O goleiro acertar a nuca do zagueiro e marcar contra foi coisa que eu nunca vi. Quase me molhei de tanto rir.
- Galardoar a parvoíce não faz sentido.
- Como?
- Esquece.
A dupla passou então a debater sobre qual seria a moral do torneio até agora. Palito teorizou:
- Vejo uma contenda equilibradíssima, onde ninguém perdeu ou venceu duas partidas. Todos os times demonstram qualidades e defeitos, e só com o tempo poderemos reconhecer qual a equipe que foi marcada pelos deuses para vencer este torneio.
- É, está um balaio de gato mesmo.
Depois de finalmente concordarem em alguma coisa, eles pararam de discutir. Então Palito começou a mordiscar delicadamente uma azeitona, Azeitona pôs-se a palitar os dentes para tirar o resto de um toicinho, e eu acabei minha coxinha e fui até a farmácia comprar um sal de fruta.

S
Songo, do União de Coxixola, era um centroavante que possuía uma patada tão forte que seu clube nem usava mais rede atrás das traves. Ele abandonou o futebol depois de bater um pênalti numa partida contra o Nacional de Uauá, cujo goleiro era seu irmão Mongo. A história é conhecida de todos na região. Songo disparou um golpe vigoroso, um chute violento, um potente petardo. Mongo pulou no canto certo. O chute, porém, foi tão forte que empurrou Mongo para dentro do gol. E ele, com o peito esmigalhado, morreu abraçado à bola. Songo foi absolvido pela Justiça e aclamado pelos torcedores, mas até hoje pode ser visto nos bancos da pracinha de Coxixola, cabisbaixo e triste, lamentando o talento, ou a maldição, que a natureza lhe deu.

E-mail torero@uol.com.br


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