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FUTEBOL
Palito e Azeitona ou Apolo e Dionísio
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Esta manhã fui até o Flor do
Lodo, bar onde sempre encontro temas interessantes ou, pelo menos, um salgadinho:
- Essa coxinha é de hoje, Almeida?
O garçom conteve a risada, colocou a coxinha num prato e me
desejou boa sorte.
Enquanto eu criava coragem
para dar a primeira mordida, notei que, na mesa redonda do fundo, dois senhores discutiam. Um
era magro e alto, o outro, gordo e
baixo.
- Quem são?, perguntei ao Almeida.
- O comprido se chama Apolo,
mas o apelido é Palito. O gordote
é o Azeitona, mas o nome é Dionísio. Eles sempre vêm aqui e ficam
discutindo a rodada. E nunca dão
gorjeta, como você.
Fiquei observando-os por um
espelho. Palito falava manso, gesticulava pouco e, volta e meia,
ajeitava sua puída gravata-borboleta para que ficasse paralela
ao queixo. Azeitona tirava cera
da orelha com o mindinho. Eles
falavam sobre qual tinha sido o
melhor jogo da rodada.
Ao mesmo tempo em que cofiava o bigode, Palito argumentava:
- Gostei deveras do empate no
prélio entre Corinthians e Figueirense. Foi interessante ver como o
zagueiro César conseguiu mudar
o próprio destino em poucos minutos. Ele iria passar a semana
sendo chamado de zagueiro de segunda classe, de velho, de refugo e
outras coisas. No fim, acabou sendo o herói da partida.
- Blurp, discordou Azeitona
com um arroto. O melhor jogo foi
o do Vasco, que teve dez gols. E o
melhor jogador foi o Deivid, que
marcou três.
Assim o assunto passou para
gols, e logo eles debatiam sobre
qual teria sido o melhor de toda a
rodada:
- O de Evair Aparecido Paulino, sem dúvida. O homem é como
o vinho: quanto mais velho, melhor. Quando pensam que ele, enfim, vai se aposentar, eis que ressurge com outra camisa e continua encantando as torcidas com
seus toques precisos e sua rara visão de jogo.
- Blurp! Bobagem. Gol mesmo
foi aquele do Flamengo. O goleiro
acertar a nuca do zagueiro e marcar contra foi coisa que eu nunca
vi. Quase me molhei de tanto rir.
- Galardoar a parvoíce não
faz sentido.
- Como?
- Esquece.
A dupla passou então a debater
sobre qual seria a moral do torneio até agora. Palito teorizou:
- Vejo uma contenda equilibradíssima, onde ninguém perdeu ou venceu duas partidas. Todos os times demonstram qualidades e defeitos, e só com o tempo
poderemos reconhecer qual a
equipe que foi marcada pelos
deuses para vencer este torneio.
- É, está um balaio de gato
mesmo.
Depois de finalmente concordarem em alguma coisa, eles pararam de discutir. Então Palito começou a mordiscar delicadamente uma azeitona, Azeitona pôs-se
a palitar os dentes para tirar o
resto de um toicinho, e eu acabei
minha coxinha e fui até a farmácia comprar um sal de fruta.
S
Songo, do União de Coxixola,
era um centroavante que possuía uma patada tão forte que
seu clube nem usava mais rede
atrás das traves. Ele abandonou
o futebol depois de bater um
pênalti numa partida contra o
Nacional de Uauá, cujo goleiro
era seu irmão Mongo. A história é conhecida de todos na região. Songo disparou um golpe
vigoroso, um chute violento,
um potente petardo. Mongo
pulou no canto certo. O chute,
porém, foi tão forte que empurrou Mongo para dentro do gol.
E ele, com o peito esmigalhado,
morreu abraçado à bola. Songo
foi absolvido pela Justiça e aclamado pelos torcedores, mas até
hoje pode ser visto nos bancos
da pracinha de Coxixola, cabisbaixo e triste, lamentando o talento, ou a maldição, que a natureza lhe deu.
E-mail torero@uol.com.br
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