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FUTEBOL
Clássico dos pés de anjo
JOSÉ GERALDO COUTO
Quem esperava um clássico
meia boca teve uma surpresa. Corinthians 2 x 2 Palmeiras foi um
jogaço.
Na véspera, o técnico palmeirense enganou todo mundo, dando a entender que pouparia vários titulares. Mas, quando surgiu
o alviverde imponente, lá estavam
Alex, César Sampaio, Júnior e
"tutti quanti".
Talvez acreditando na conversa
felipina, Oswaldo de Oliveira deixou no banco Ricardinho e Luizão. Quando viu que o jogo era de
gente grande (aos 13 minutos já
estava 2 a 1 para o Palmeiras), teve de recorrer aos dois.
A zaga alvinegra também era
reserva, mas a titular não é muito
melhor.
O jogo de ontem no Morumbi
foi disputado como poucos desse
campeonato. O Palmeiras talvez
tenha tido mais chances reais de
gol, mas esbarrou numa grande
atuação de Dida, que se redimiu
da má colocação no belíssimo gol
olímpico de Alex.
O craque palmeirense, aliás,
praticamente só tocou duas vezes
na bola no primeiro tempo: uma
para fazer o olímpico, outra para
dar o passe açucarado para o gol
de Pena. Precisava mais?
A eficiência de Alex encontrou o
contraponto simétrico em Marcelinho, autor dos dois gols corintianos. O primeiro, de cabeça, deveu
muito ao cruzamento milimétrico
de Dinei; o segundo, de falta, foi
um daqueles lances em que seu pé
direito parece virar mão: Marcos
nem se mexeu.
É interessante isso: o jogo pode
ser disputado palmo a palmo,
com trombadas e divididas de tirar faísca, mas o que decide, às vezes, é a sutileza de um toque. O
clássico de ontem foi decidido nos
pés de anjo de Alex e Marcelinho.
O segundo tempo teve momentos mais frouxos, mas voltou a esquentar à medida que o final se
aproximava. Bolas na trave,
grandes defesas, lances ríspidos.
Um jogo que poderia ter acabado
tranquilamente em 5 a 5.
Por tudo isso, na próxima vez
que lhe disserem que um Corinthians x Palmeiras vai ser café-
com-leite, não acredite.
Tanto corintianos como palmeirenses podem enfrentar de cabeça
erguida seus adversários pela Libertadores, no meio da semana.
Mais do que se tivessem descansado fora ou dentro de campo.
A degola de Carlos Alberto Silva
foi uma das mais longamente
anunciadas da história do futebol. O momento em que se consumou foi péssimo. O Santos, que
ainda não se acertou, corre sério
risco de cair fora do Paulista.
Que pecado o gol de pênalti que
tirou do Calais, no último minuto,
o título da Copa da França. Apesar da derrota para o Nantes, entretanto, o Calais já pode ser considerado o grande vencedor do
ano no futebol.
Num esporte cada vez mais dominado pelas grandes corporações, que despejam milhões nos
clubes à espera de retorno financeiro e publicitário, um autêntico
time de várzea chega ao topo. E
no país que conquistou a última
Copa do Mundo.
Faltou um tiquinho. Se tivesse
passado pelo Nantes (como torci
por isso!), o Calais iria à Copa da
Uefa, ou seja: seus jardineiros, comerciários e pintores jogariam
contra os atletas mais caros do
planeta.
É quase uma versão masculina
e coletiva da história de Cinderela. Os mendigos e os príncipes. É
mais ou menos como se, digamos,
o time do Parque da Mooca deixasse para trás Vasco, Corinthians, Palmeiras e todos os Atléticos para disputar a final da Libertadores da América.
Mais do que desmoralizar a
ideologia do futebol-empresa, o
feito do Calais mostra a força embutida na ambígua palavra
"amador". O amador não é, necessariamente, inferior ao profissional. Claro que ele tem menos
tempo para treinar, menos suporte médico e fisioterapêutico, menos dinheiro. Mas tem algo que
muitas vezes falta ao atleta assalariado: amor ao esporte que pratica.
Ainda que tenha sido por um
momento fugaz, o Calais aproximou-nos da utopia do homem do
futuro imaginado por Marx: um
sujeito que assenta tijolos pela
manhã, à tarde pinta quadros e à
noite faz poesia ou estuda o movimento das estrelas.
José Geraldo Couto escreve aos sábados e
às segundas-feiras
E-mail: jgcouto@uol.com.br
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