São Paulo, segunda-feira, 08 de maio de 2000


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FUTEBOL
Clássico dos pés de anjo

JOSÉ GERALDO COUTO

Quem esperava um clássico meia boca teve uma surpresa. Corinthians 2 x 2 Palmeiras foi um jogaço.
Na véspera, o técnico palmeirense enganou todo mundo, dando a entender que pouparia vários titulares. Mas, quando surgiu o alviverde imponente, lá estavam Alex, César Sampaio, Júnior e "tutti quanti".
Talvez acreditando na conversa felipina, Oswaldo de Oliveira deixou no banco Ricardinho e Luizão. Quando viu que o jogo era de gente grande (aos 13 minutos já estava 2 a 1 para o Palmeiras), teve de recorrer aos dois.
A zaga alvinegra também era reserva, mas a titular não é muito melhor.
O jogo de ontem no Morumbi foi disputado como poucos desse campeonato. O Palmeiras talvez tenha tido mais chances reais de gol, mas esbarrou numa grande atuação de Dida, que se redimiu da má colocação no belíssimo gol olímpico de Alex.
O craque palmeirense, aliás, praticamente só tocou duas vezes na bola no primeiro tempo: uma para fazer o olímpico, outra para dar o passe açucarado para o gol de Pena. Precisava mais?
A eficiência de Alex encontrou o contraponto simétrico em Marcelinho, autor dos dois gols corintianos. O primeiro, de cabeça, deveu muito ao cruzamento milimétrico de Dinei; o segundo, de falta, foi um daqueles lances em que seu pé direito parece virar mão: Marcos nem se mexeu.
É interessante isso: o jogo pode ser disputado palmo a palmo, com trombadas e divididas de tirar faísca, mas o que decide, às vezes, é a sutileza de um toque. O clássico de ontem foi decidido nos pés de anjo de Alex e Marcelinho.
O segundo tempo teve momentos mais frouxos, mas voltou a esquentar à medida que o final se aproximava. Bolas na trave, grandes defesas, lances ríspidos. Um jogo que poderia ter acabado tranquilamente em 5 a 5.
Por tudo isso, na próxima vez que lhe disserem que um Corinthians x Palmeiras vai ser café- com-leite, não acredite.
Tanto corintianos como palmeirenses podem enfrentar de cabeça erguida seus adversários pela Libertadores, no meio da semana. Mais do que se tivessem descansado fora ou dentro de campo.

A degola de Carlos Alberto Silva foi uma das mais longamente anunciadas da história do futebol. O momento em que se consumou foi péssimo. O Santos, que ainda não se acertou, corre sério risco de cair fora do Paulista.

Que pecado o gol de pênalti que tirou do Calais, no último minuto, o título da Copa da França. Apesar da derrota para o Nantes, entretanto, o Calais já pode ser considerado o grande vencedor do ano no futebol.
Num esporte cada vez mais dominado pelas grandes corporações, que despejam milhões nos clubes à espera de retorno financeiro e publicitário, um autêntico time de várzea chega ao topo. E no país que conquistou a última Copa do Mundo.
Faltou um tiquinho. Se tivesse passado pelo Nantes (como torci por isso!), o Calais iria à Copa da Uefa, ou seja: seus jardineiros, comerciários e pintores jogariam contra os atletas mais caros do planeta.
É quase uma versão masculina e coletiva da história de Cinderela. Os mendigos e os príncipes. É mais ou menos como se, digamos, o time do Parque da Mooca deixasse para trás Vasco, Corinthians, Palmeiras e todos os Atléticos para disputar a final da Libertadores da América.
Mais do que desmoralizar a ideologia do futebol-empresa, o feito do Calais mostra a força embutida na ambígua palavra "amador". O amador não é, necessariamente, inferior ao profissional. Claro que ele tem menos tempo para treinar, menos suporte médico e fisioterapêutico, menos dinheiro. Mas tem algo que muitas vezes falta ao atleta assalariado: amor ao esporte que pratica.
Ainda que tenha sido por um momento fugaz, o Calais aproximou-nos da utopia do homem do futuro imaginado por Marx: um sujeito que assenta tijolos pela manhã, à tarde pinta quadros e à noite faz poesia ou estuda o movimento das estrelas.


José Geraldo Couto escreve aos sábados e às segundas-feiras
E-mail: jgcouto@uol.com.br



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