São Paulo, domingo, 08 de julho de 2001 |
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O contrato 'muy amigo' da CBF
FERNANDO MELLO JOSÉ ALBERTO BOMBIG DO PAINEL FC A recém-firmada parceria entre a Confederação Brasileira de Futebol e a indústria de bebidas AmBev vai entregar quase US$ 8 milhões de comissão a uma empresa que praticamente não participou da negociação. Empresa que, mais que isso, foi credenciada a tocar a transação quando o público já conhecia detalhes do acordo. Empresa cuja sede no Rio inexiste. Empresa cujo dono jamais atuara no marketing esportivo. Empresa cujo dono é amigo e ex-sócio de Ricardo Teixeira, o todo-poderoso presidente da CBF. Na linguagem do futebol, pode-se dizer que a MB Consultoria Ltda., do empresário Renato Tiraboschi, só entrou na partida milionária entre CBF e AmBev aos 44min do segundo tempo para constar na súmula. E que, ainda assim, garantiu o maior "bicho" entre todos os jogadores. É o que mostram documentos obtidos pela Folha em cartórios de São Paulo e do Rio, papéis que reforçam a suspeita de que a MB atua como "laranja", ajudando a desviar dinheiro para Teixeira. O acordo entre confederação e AmBev, de pelo menos US$ 180 milhões em 18 anos, foi sacramentado em 24 de maio. Na época, Teixeira fez questão de frisar que o negócio não tinha intermediários, ao contrário do contestado acordo com a multinacional de material esportivo Nike -alvo de investigação de CPI no Congresso-, em que a CBF se comprometera a pagar US$ 8 milhões (5%) à agência Traffic. Em 12 de junho, o diário "O Globo" revelou que a transação com a AmBev também previa o pagamento de comissões -e que, entre os beneficiados, estava Renato Tiraboschi, amigo pessoal há pelo menos 15 anos e ex-sócio de Teixeira no restaurante El Turf. Confrontado então, Teixeira disse que a comissão fora negociada e paga pela AmBev. Segundo os registros oficiais do contrato, a empresa de Tiraboschi assumiu a negociação do acordo de US$ 180 milhões a partir de 12 de abril. Foi nesse dia que uma carta de Teixeira autorizou oficialmente a MB, citando explicitamente seu amigo como representante, a buscar um novo patrocinador para a confederação. Por meio de sua gerência de comunicação, a AmBev disse que as conversações começaram em março, mas que só decolaram em 19 de abril, quando a CBF teria protocolado a autorização da MB. No entanto, segundo a Folha apurou, as tratativas já haviam consumido quase oito meses. À frente, estavam os empresários Carlos Eduardo Jardim e Roberto José Torres Neves Osório. Os dois conceberam o projeto e cuidaram de toda a parte técnica do contrato. Foram remunerados pela AmBev em US$ 1,35 milhão, o equivalente a R$ 3,28 milhões. Estranhamente, porém, a dupla foi "descredenciada" pela CBF na carta endereçada à AmBev em 19 de abril. Dizia a mensagem: "Temos o prazer de comunicar-lhes que credenciamos a MB Consultoria S/C Ltda. (...) para representar-nos em tratativas com a empresa". Teixeira assina embaixo. Em outra carta, uma semana depois, dessa vez rubricada por Tiraboschi, a MB declarou à AmBev que "Peixoto e Osorio não poderão tomar decisões isoladamente, dependendo sempre da prévia e expressa autorização, em cada caso, de Renato Tiraboschi". A Tiraboschi e seu parceiro, o advogado Carlos Peixoto, coube apenas discutir o aspecto jurídico, trabalhar na redação do contrato e emitir o recibo. Mesmo assim, decidiu-se que a MB receberá US$ 7,65 milhões de comissão, cerca de R$ 18,62 milhões, 460% a mais do que a dupla Jardim e Osório. Essa distorção ganha contornos de escândalo quando se constata que Tiraboschi resolveu comprar a MB, uma modesta empresa de apenas R$ 6.000 de capital, em 10 de abril, somente dois dias antes do credenciamento pela CBF. Quando se constata que o empresário do mercado financeiro jamais tinha mexido com negócios na área esportiva. Quando se constata que a MB tem hoje uma sede-fantasma -no local indicado no contrato com a AmBev e no registro da empresa em cartório, funciona um escritório de contabilidade onde ninguém ouviu falar da MB. Quando se constata que no mesmo dia, 10 de abril, uma terça-feira, Teixeira prestava depoimento no Congresso Nacional e, sob juramento, anunciava, em detalhes, o nome, o valor, a duração e até a estratégia de mercado da parceria com a AmBev. Ou seja, Tiraboschi comprou a MB quando o novo patrocínio da CBF já estava virtualmente fechado. Vai receber comissão por um serviço que não fez, em um contrato que não exige dele nenhum tipo de contrapartida adicional. Para a CPI do Futebol, do Senado, o negócio é obscuro e será investigado. A suspeita é que Teixeira pode ter utilizado a CBF e, nesse caso específico a "marca" seleção brasileira, um patrimônio nacional, para beneficiar amigos. Questionado, ele diz que o negócio é "regular e público". A AmBev informou que só pagou comissão a quem a CBF indicou. Tiraboschi e Peixoto recusam-se a falar com a Folha há 15 dias. Texto Anterior: Atletismo: Marion Jones faz o melhor tempo do ano Próximo Texto: Outro lado: Teixeira diz que carta foi apenas exigência formal Índice |
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