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pan 2003
Segurança vira argumento para Santo Domingo ganhar "maquiagem" e esconder as mazelas sociais dos dominicanos
REALIDADE VIRTUAL
Antônio Gaudério/Folha Imagem
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Muro na região de Makiteria, uma das mais pobres de Santo Domingo, esconde favela que fica perto de atração turística |
EDUARDO OHATA
GUILHERME ROSEGUINI
JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
ENVIADOS ESPECIAIS A SANTO DOMINGO
Algo está estranho. Julio Martinez olha para os lados e não encontra os companheiros. Ali, no
cruzamento das avenidas Máximo Gomez e 27 de Febrero, um
dos mais movimentados de Santo
Domingo, ele e sua trupe costumam lavar o vidro dos carros em
busca de alguns trocados. "Sempre tem mais gente comigo aqui.
Não sei para onde foi todo mundo", diz o garoto de 11 anos.
A resposta que Dominguez procura está bem próxima. A 50 metros dali, vestido com uma amarfanhada farda do exército, o soldado Nelsoh Louisa cuida da segurança de um dos portões que
dão acesso ao Centro Olímpico,
principal praça esportiva do Pan.
"Recebemos uma ordem para
expulsar todas as crianças e os
mendigos que estão próximos.
Disseram que era por motivos de
segurança", explicou o soldado.
Parece um caso isolado, mas
não é. A mesma operação foi efetuada nos locais onde existem
práticas de esportes e faz parte de
um programa para criar uma "cidade virtual" durante os Jogos.
A pobreza de Santo Domingo
recebeu uma maquiagem. Antes
do início do Pan, centenas de
crianças e mendigos aproveitavam o incremento de estrangeiros
na cidade para pedir esmolas. O
Centro Olímpico era o ponto que
registrava maior aglutinação.
Logo no dia da cerimônia de
abertura, realizada na última sexta, porém, todos desapareceram.
"Mandamos eles saírem de perto dos locais de competição porque acabam atrapalhando nosso
trabalho. Esses pedintes e garotos
são haitianos muito pobres. Não é
bom tê-los aqui. Prejudica a imagem do Pan", disse o brigadeiro
Jose Guerreiro, um dos responsáveis pela segurança do evento.
A culpa não pode ser toda depositada no vizinho Haiti. Na República Dominicana, de um total de
8,5 milhões de habitantes, 25% vivem abaixo da linha de pobreza
-sobrevivem com menos de
US$ 1 por dia. "Os organizadores
dos Jogos escondem a realidade.
A população aqui é miserável",
afirmou o padre Rogelio Cruz.
O sacerdote é o responsável pelo
movimento que mais tem dado
dor de cabeça aos organizadores.
Com um artefato batizado de "tocha da fome", Cruz percorre os
bairros carentes da cidade, promove pequenos eventos esportivos e culturais e critica o governo
pela realização do Pan.
Os policiais já reprimiram sua
iniciativa. Dezenas de pessoas ficaram feridas por estarem participando das celebrações, e a tocha
passou a circular só em cidades
nas cercanias de Santo Domingo.
A preocupação em esconder as
mazelas afetou até o trajeto dos
ônibus que deixam a Vila Pan-Americana repletos de atletas. O
caminho mais rápido até o Parque del Este, local onde oito modalidades são disputadas, passa
pela região de Makiteria, uma das
mais pobres de Santo Domingo.
Só que os veículos oficiais evitam esse percurso. Para escapar
da favela, seguem outro trecho. A
rota a ser percorrida, que inicialmente teria 22 km, chega a 25 km.
Questionado sobre a mudança
do caminho, Ramirez disse que se
tratava de questão de segurança.
A escamoteação da pobreza não
está só ligada aos Jogos. Ao lado
do museu, que conta a história da
chegada de Cristovão Colombo,
um grande muro parece separar
dois mundos. De um lado está a
suntuosa construção que atrai
milhares de turistas todos os dias.
Do outro, escondida, na mesma
zona popular de Makiteria, a realidade que ninguém quer ver.
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