São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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ATENAS 2004

Kevin Hall, na vela, e Dana Vollmer, na natação, lutam contra discriminação e morte para tentar pódios

Justiça e gana põem deficientes nos Jogos

DO ENVIADO A ATENAS

Kevin Hall procura seu médico uma vez por semana, estende o braço direito e pede uma injeção de testosterona. Quando a aplicação termina, deixa o consultório com a sensação de estar pronto para domar os ventos no mar.
É a descrição perfeita de um ritual de doping, não fosse o protagonista um atleta que vai competir em Atenas respaldado por sua pitoresca história no esporte.
Hall integra o seleto grupo de pessoas com deficiências físicas que estarão na disputa por medalhas nos Jogos. Ele recebe testosterona (hormônio masculino) via injetável porque seu organismo não é capaz de produzi-la.
Tudo começou com o diagnóstico de um câncer em 1991. Em dois anos, o velejador precisou retirar os testículos. Dali em diante iniciou uma verdadeira via-crúcis para se manter no esporte.
A razão: testosterona sintética é também usada por competidores que buscam aumentar a força e a potência muscular.
"Eu sou reprovado em todos os testes antidoping porque preciso tomar hormônio artificial. Os dirigentes nos EUA chegaram a me impedir de velejar em torneios. Fiquei irritado e resolvi protestar. Só consegui o direito de vir para Atenas na Justiça", afirma o competidor de 34 anos.
Além dele, a Folha também ouviu os outros dois deficientes que chegaram aos Jogos da Grécia.
Dana Vollmer, conterrânea de Hall, não precisou lutar nos tribunais, mas também viveu uma situação das mais pitorescas.
Seu caso é diferente. Em março do ano passado, a nadadora descobriu que sofria de um problema no coração. Grosso modo, o órgão poderia parar de funcionar subitamente quando ela estivesse praticando atividade física.
"Recebemos três opções dos médicos. Dana deveria parar de nadar, fazer uma cirurgia ou transportar um desfibrilador cardíaco para todos os lugares", explica sua mãe, Cathy Vollmer.
O período sabático depois da operação certamente a deixaria de fora das seletivas dos EUA, realizadas em julho. Então, Dana, 16, escolheu a terceira via.
Nesta semana, ela vai desembarcar em Atenas com o aparelho usado para controlar a fibrilação a tiracolo. E tem uma missão no país que vai além das piscinas.
"Vou procurar me concentrar, mas sei que arrumarei tempo para rever na Vila algumas nadadoras brasileiras que conheci durante os Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, no ano passado", conta a competidora, sem se recordar dos nomes.
Ela pode colocar a conversa em dia com as atletas do Brasil, mas, se precisar de conselhos, deve ir para a pista e procurar por Marla Runyan, 34, a corredora que tem apenas 5% de visão -é considerada legalmente cega- e vai defender os EUA nos 5.000 m.
Sua disfunção, ao contrário da de Danna, foi detectada há muito tempo. Antes de completar 15 anos, Marla descobriu que sofria de uma doença degenerativa. Não havia cura.
O mal de Stargardt provoca a depravação da mácula, no centro da retina, a mais interna das camadas de cada globo ocular.
Uma mancha enevoada ocupa o centro da imagem. A visão periférica (contornos do campo visual) sofre poucos danos.
Assim, ela se orienta estabelecendo pontos de referência em marcas no chão e até em pessoas prostradas nas arquibancadas.
Atenas será sua segunda Olimpíada. Em Barcelona-1992 e Atlanta-1996, Marla ganhou medalhas de ouro nos eventos destinados a deficientes visuais. "Depois, percebi que tinha condições de correr com os melhores."
Em Sydney-2000, ela se classificou à final nos 1.500 m e concluiu sua participação na oitava colocação. Agora quer mais. "Ganhei confiança nesse tempo, aperfeiçoei a minha técnica e vou concorrer em outra prova, os 5.000 m. Quem sabe não chego ao pódio?". (GUILHERME ROSEGUINI)


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