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393 d.c. a 1896 d.c.
No hiato olímpico de mais de 1.500 anos, o mundo driblou a Igreja Católica
Jogos proibidos
DO PAINEL FC
Entre 393 d.C., quando um decreto de Teodósio 1º baniu os Jogos Antigos, e 1896, ano da primeira Olimpíada da era moderna,
as práticas esportivas foram, na
maior parte do mundo civilizado,
atividades marginais.
A decisão do imperador romano foi causada por pressões da
Igreja Católica, sob o argumento
de que as competições helênicas
eram uma expressão do paganismo. Naquele momento os Jogos
já não tinham o esplendor de outrora, talvez nem mais existissem
oficialmente -os últimos campeões conhecidos são de 369 d.C.
O Império Romano no Ocidente ruiu pouco menos de um século depois da proibição, mas permaneceu o poder do catolicismo.
Em 1.503 anos de paralisação
olímpica, essa autoridade tornou
transgressores os que se atreveram a jogar. Por motivos óbvios,
na Europa é que foi travada a queda-de-braço entre povo e clero.
Num primeiro momento, o corpo, maligno e depreciado em detrimento do espírito, só tem valor
quando é usado para atividades
guerreiras. Dos séculos 5º ao 12,
predominam então os torneios
militares, com destaque para justas (combate de lança entre cavaleiros) e provas de arco-e-flecha.
Nesse período também joga-se
xadrez, provável influência árabe,
e pelo menos um dos antepassados do futebol, o "harpastum".
Muito violento -outro motivo
para que fosse proibido-, era
praticado em Roma, com uma
bola de couro cheia de areia, e podiam-se usar os pés e as mãos.
"Só a partir do século 12, com a
expansão do feudalismo e a consolidação dos centros urbanos, a
prática de modalidades lúdicas
proibidas pelo cristianismo volta
a ser tolerada", explica o professor
de história da USP Flávio de Campos, pós-doutorando em jogos
medievais e co-autor da coleção
"O Jogo na História" (editora Moderna, quatro volumes).
Teólogos como São Tomás de
Aquino e Hugo de São Vítor passam a defender a prática de jogos.
Há registros de que na Itália dos
séculos 13 e 14 havia, além do "calcio", provas eqüestres e regatas.
No século 15, até alguns papas organizavam corridas no centro de
Roma, com prêmios para os vencedores, relata, em seu "História
dos Esportes" (sem edição no
Brasil), o alemão Carl Diem.
Os ancestrais do futebol atuaram na abertura. Com diversos
nomes -"soule" na França, "calcio" na Itália, "hurling" na Grã-Bretanha-, variações da modalidade são praticadas na Europa.
Da França do século 13 veio o
"jeu de paume", precursor do tênis. No início as bolas eram impulsionadas com as mãos contra a
parede. Depois surgem bastões,
que virariam raquetes, e a rede.
Vale observar que, na Ásia e na
América pré-colombiana, já se
praticava bem antes disso atividades com bolas, muitas das quais
permaneceram na Idade Média.
Antepassados dos mexicanos tinham jogos de pelota cerca de 300
anos antes da Era Cristã.
Os chineses reclamam para si a
invenção do futebol, por conta do
"cuju", praticado desde o século 4
a.C. Uma variação do jogo foi batizada no Japão de "kemari".
A Inglaterra -cujo rei James 1º
publicou, em 1617, um livro que
afrouxava a proibição da igreja a
jogos- tem papel decisivo na
transformação das práticas lúdicas em esporte, definição que, a rigor, só nasce no final do século 19,
com a regulamentação dessas atividades, incluído o futebol (1863).
O sociólogo americano Allen
Guttman, em seu "From Ritual to
Record" ("Do Ritual ao Recorde"), listou sete características
que distinguiriam o esporte moderno das atividades físicas praticadas até o século 20, entre elas racionalização (utilização de conhecimentos científicos), secularização (troca do religioso pelo civil) e
recorde.
(FÁBIO VICTOR)
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