São Paulo, terça-feira, 08 de agosto de 2006

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SONINHA

Nós somos a Europa deles

Enquanto o Sul/Sudeste brilha com jogadores do Norte/Nordeste, o que é feito dos times nordestinos?

EXCELENTE a observação de Paulo Cobos e Toni Assis na Folha de ontem: a de que o Nordeste foi a região brasileira que mais forneceu jogadores para os finalistas da Libertadores -vieram de lá 17 dos 45 utilizados na campanha dos dois times. Essa informação sugere uma série de reflexões.
Em primeiro lugar, pode colocar em perspectiva nossos possíveis esnobismos sudestinos (?) ou sulistas. Antes de empinar o nariz por causa da "superioridade" de paulistas ou gaúchos, não custa nada lembrar que o futebol bem-sucedido destas plagas (assim como todas as outras atividades) foi construído com a ajuda inestimável de muita gente nascida longe daqui. Neste mundo em que se leva cada vez mais a sério as fronteiras imaginadas, erguendo-se muros e cavando-se trincheiras nos limites que deveriam ser só convenções compactuadas, e não reais separações dos viventes, é bom destacar o quanto as pessoas sempre se movimentaram de um canto a outro...
Ao mesmo tempo, a constatação da quantidade de migrantes por aqui remete à discussão sobre o êxodo de atletas para fora do Brasil.
Por que eles saem? Por dinheiro, vaidade, por mais segurança ou falta de escolha. Porque aqui não teriam a menor garantia de estabilidade, mesmo que fosse com um salário mais ou menos. Não é o que procuram, também, os nordestinos que vêm tentar a vida mais ao sul?
Lamentamos a perda de estrelas ou promessas para outros mercados. Ficam nossos times e campeonatos desfalcados, empobrecidos, enquanto europeus e asiáticos fazem sucesso com jogadores revelados aqui. Não é o que ocorre com o futebol de outras praças no Brasil?
A quantas anda o Ferroviário (CE), que já teve "o maranhense Clemer, o cearense Iarley e o potiguar Mossoró"? E o Quixadá, onde Iarley começou? Qual a situação do Bahia, de onde vieram Jorge Wagner e Fabão, e do Vitória, primeira casa de Júnior? Como estará o Porto, de Caruaru, que "pariu" Josué? Não dá para conter esse movimento que leva os jogadores dos times menores para os times dos grandes centros, que disputam a série principal dos torneios nacionais e internacionais. Mesmo que estes tenham boas categorias de base, seria até injusto que fechassem as portas para os atletas de outros Estados. Então eles não podem começar lá e chegar até aqui? E, se os times menores não servissem de base para revelar jogadores, as categorias de base dos grandes, que já estouram de tanta procura, seriam funis mais cruéis. O certo é o atleta poder aparecer para o mundo lá mesmo no time do interior, e o time grande ficar atento.
Acontece que nunca vai ter lugar para todo mundo na elite do esporte. Alguns jogadores vão ter de ficar nos times médios e pequenos, sejam eles no interior do PI ou do RS. Que não podem servir de base para revelação de talentos e viver na penúria, na incerteza, na miséria.
É por isso que, com campeonatos estaduais ou regionais ou mais divisões do nacional, o Brasil teria de oferecer condições para que times menores pudessem funcionar o ano todo. A diferença entre a base e o topo não poderia ser tão gritante... Claro que não é fácil fazer isso acontecer. Como garantir salários e estrutura para uma equipe surgida num recanto empobrecido qualquer, onde as pessoas jamais poderiam pagar ingresso, onde os próprios jogadores mal podem comer? Esse não é um desafio só do futebol, e sim do Brasil. Aliás, do mundo. Como o topo da pirâmide pode compartilhar com a base um pouco do seu sucesso -que não seria possível sem a participação da base? É uma pergunta romântica, nascida de uma certeza "pragmática": do jeito que está, não dá pra ficar.


soninha.folha@uol.com.br

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