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SONINHA
Nós somos a Europa deles
Enquanto o Sul/Sudeste brilha com jogadores do Norte/Nordeste, o que é feito dos times nordestinos?
EXCELENTE a observação de
Paulo Cobos e Toni Assis na
Folha de ontem: a de que o
Nordeste foi a região brasileira que
mais forneceu jogadores para os finalistas da Libertadores -vieram
de lá 17 dos 45 utilizados na campanha dos dois times. Essa informação sugere uma série de reflexões.
Em primeiro lugar, pode colocar
em perspectiva nossos possíveis
esnobismos sudestinos (?) ou sulistas. Antes de empinar o nariz por
causa da "superioridade" de paulistas ou gaúchos, não custa nada lembrar que o futebol bem-sucedido
destas plagas (assim como todas as
outras atividades) foi construído
com a ajuda inestimável de muita
gente nascida longe daqui. Neste
mundo em que se leva cada vez
mais a sério as fronteiras imaginadas, erguendo-se muros e cavando-se trincheiras nos limites que deveriam ser só convenções compactuadas, e não reais separações dos
viventes, é bom destacar o quanto
as pessoas sempre se movimentaram de um canto a outro...
Ao mesmo tempo, a constatação
da quantidade de migrantes por
aqui remete à discussão sobre o
êxodo de atletas para fora do Brasil.
Por que eles saem? Por dinheiro,
vaidade, por mais segurança ou falta de escolha. Porque aqui não teriam a menor garantia de estabilidade, mesmo que fosse com um salário mais ou menos. Não é o que
procuram, também, os nordestinos
que vêm tentar a vida mais ao sul?
Lamentamos a perda de estrelas
ou promessas para outros mercados. Ficam nossos times e campeonatos desfalcados, empobrecidos,
enquanto europeus e asiáticos fazem sucesso com jogadores revelados aqui. Não é o que ocorre com o
futebol de outras praças no Brasil?
A quantas anda o Ferroviário
(CE), que já teve "o maranhense
Clemer, o cearense Iarley e o potiguar Mossoró"? E o Quixadá, onde
Iarley começou? Qual a situação do
Bahia, de onde vieram Jorge Wagner e Fabão, e do Vitória, primeira
casa de Júnior? Como estará o Porto, de Caruaru, que "pariu" Josué?
Não dá para conter esse movimento que leva os jogadores dos times menores para os times dos
grandes centros, que disputam a
série principal dos torneios nacionais e internacionais. Mesmo que
estes tenham boas categorias de
base, seria até injusto que fechassem as portas para os atletas de outros Estados. Então eles não podem começar lá e chegar até aqui?
E, se os times menores não servissem de base para revelar jogadores, as categorias de base dos grandes, que já estouram de tanta procura, seriam funis mais cruéis. O
certo é o atleta poder aparecer para
o mundo lá mesmo no time do interior, e o time grande ficar atento.
Acontece que nunca vai ter lugar
para todo mundo na elite do esporte. Alguns jogadores vão ter de ficar
nos times médios e pequenos, sejam eles no interior do PI ou do RS.
Que não podem servir de base para
revelação de talentos e viver na penúria, na incerteza, na miséria.
É por isso que, com campeonatos
estaduais ou regionais ou mais divisões do nacional, o Brasil teria de
oferecer condições para que times
menores pudessem funcionar o
ano todo. A diferença entre a base e
o topo não poderia ser tão gritante... Claro que não é fácil fazer isso
acontecer. Como garantir salários e
estrutura para uma equipe surgida
num recanto empobrecido qualquer, onde as pessoas jamais poderiam pagar ingresso, onde os próprios jogadores mal podem comer?
Esse não é um desafio só do futebol, e sim do Brasil. Aliás, do mundo. Como o topo da pirâmide pode
compartilhar com a base um pouco
do seu sucesso -que não seria possível sem a participação da base? É
uma pergunta romântica, nascida
de uma certeza "pragmática": do
jeito que está, não dá pra ficar.
soninha.folha@uol.com.br
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