São Paulo, Domingo, 08 de Agosto de 1999
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FUTEBOL
Poder de fogo do magnata Tom Hicks chega a resvalar nas eleições presidenciais dos EUA no ano 2000
Sócio do Corinthians coleciona times

de Washington

As compras do Corinthians e da Traffic pelo fundo de investimentos norte-americano HMTF (Hicks, Muse, Tate & Furst) é um lance bastante humilde na vida profissional do mais controverso empresário do setor esportivo e de telecomunicações dos EUA.
O homem por trás da sigla chama-se Thomas O. Hicks, ou simplesmente Tom Hicks. Esse magnata tem um poder de fogo que extrapola, e muito, os atuais limites do futebol brasileiro.
Os investimentos próprios e com recursos de clientes somam atualmente US$ 33 bilhões (valor equivalente a duas vezes o conjunto de bens e serviços produzidos no Uruguai num ano inteiro).
No Brasil, já domina o clube mais popular de São Paulo e a Traffic, empresa que conduz a programação esportiva da TV Bandeirantes, que foi intermediária do contrato da CBF com a Nike e que explora a publicidade em vários estádios pelo país.
A Traffic ainda promove o Brasileiro, a Copa América e as eliminatórias para a Copa do Mundo e organiza a Copa Mercosul.
Nos EUA, seu poderio resvala nas eleições presidenciais: os negócios de Hicks transformaram-se no calcanhar-de-aquiles de George W. Bush, favorito à sucessão de Bill Clinton no ano 2000.
Atual governador republicano do Texas (oeste dos EUA), Bush é filho do ex-presidente dos EUA, George Bush, e um dos amigos mais próximos de Hicks.
O controlador da Hicks, Muse, Tate & Furst foi o principal financiador de Bush nas eleições estaduais para o Texas em 1998 e é acusado pela oposição democrata de ter aproveitado a compra de um time de beisebol para colocar nos bolsos do governador Bush mais dinheiro do que as legislações eleitoral e fiscal permitiriam.
Em 1998, Hicks comprou o Texas Rangers por US$ 250 milhões de um grupo de empresários do Texas liderados por Bush.
Além de ter sido uma das cinco mais caras aquisições esportivas da história dos EUA, a operação teve outra particularidade.
Bush e seu grupo haviam comprado o time de beisebol sete anos antes por apenas US$ 46 milhões.
Pessoalmente, Bush pagou US$ 600 mil por sua parte no time e a vendeu a Hicks por US$ 14 milhões, valorização de cerca de 2.350% em nove anos. O detalhe: nesse período, o time manteve sua tradição de não vencer nada.
Num país com preços relativamente estáveis e com personagens tão ilustres, a venda dos Rangers chamou a atenção da imprensa e dos democratas.
A transação é considerada ironicamente pelos inimigos de Bush como a única vez em que o candidato a presidente teve lucros durante toda sua vida.
""Eu só tenho nome, mas não dinheiro", chegou a confessar Bush, para meses depois falar: ""Eu fiz mais dinheiro do que eu poderia ter imaginado na vida."
As acusações sobre ele são pesadas. "Na prática, Hicks colocou milhões de dólares no bolso do governador do Texas", diz Robert Bryce, jornalista que cobre o tema no jornal "Dallas Observer".
A imprensa levantou o fato de que, poucos anos antes, o governador Bush havia nomeado Hicks como coordenador de um fundo de US$ 1,7 bilhão usado pelo governo para investir em empresas privadas com o objetivo de estimular a economia do Estado.
"Quase um terço desse valor acabou sendo comprometido com negócios de amigos e sócios de Hicks", escreveu R.G.Ratcliffe, no jornal ""Houston Chronicle".
No rastro das suspeitas deixadas pela operação, insinuou-se também que o dinheiro pago por Hicks pelos Rangers seria de Bush desde o início -Hicks guardaria os recursos, como uma espécie de sócio oculto.
Como conclusão tácita desses rumores não comprovados está a insinuação de que, na verdade, é uma espécie de "administrador" do dinheiro dos Bush.
Bush defende-se dizendo que o preço do time variou porque seu patrimônio aumentou no período, com a construção de um novo estádio e de contribuições feitas por cidadãos do Texas.
A polêmica relação de Hicks com Bush não é a única a explicar a personalidade do empresário.
Aos 53 anos, ele é considerado pelo mercado como um negociador implacável e pouco ortodoxo.
Antes de comprar os Rangers, Hicks já era dono de 400 estações de rádio nos EUA. "Em termos de retorno e crescimento, não há investimento melhor que o rádio", disse à revista "Forbes".
É, ainda, proprietário do Dallas Star, time de hóquei do Texas.
Um outro episódio nos EUA revela os métodos do novo ""dono da bola" no Brasil.
Em 1998, Hicks convidou a mulher do prefeito de Dallas para fazer parte do conselho diretor da Chancellor Broadcasting, a companhia controladora do grupo de empresas que administra.
Depois de um ano no cargo, ela recebeu US$ 500 mil em opções de ações, como premiação.
Simultaneamente, Hicks conseguiu convencer o prefeito a construir um estádio de US$ 230 milhões no centro de Dallas.
Metade do valor para a construção do estádio está sendo pago pelos contribuintes.
Hicks declarou que os dois fatos não têm relação entre si e que ele teria contratado Ellis Kirk, mulher do prefeito Ron Kirk, para o conselho por sua competência.
Aparentemente, Hicks nunca teve problemas com a Justiça. Mas seus métodos são visivelmente "flexíveis".
Um empresário do Texas ouvido pela Folha disse que a ousadia de Hicks nos EUA, país considerado rígido nas leis, pode crescer exponencialmente e ficar ainda mais polêmica na América Latina, região onde o empresário decidiu concentrar seus investimentos recentemente.
Alguns sinais já foram dados.
Como porta de entrada no mercado argentino, Hicks decidiu comprar o patrimônio do ex-banqueiro Raúl Moneta, amigo íntimo do presidente argentino, Carlos Menem, foragido depois de sofrer acusações de sonegação fiscal e de corrupção.
Por US$ 1,2 bilhão, Hicks comprou o controle do grupo de comunicações Cei Citicorp, que cresceu à margem do governo Menem e despertou a irritação das redes de televisão e de jornais tradicionais na Argentina.
Hicks também comprou o maior provedor de Internet do país, El Sitio, por US$ 44 milhões.
O passo seguinte foi ingressar no Brasil, por meio do Corinthians e da Traffic, um grande negócio pela ótica do futebol brasileiro. Mas um passo ainda tímido perto das reais ambições do empresário norte-americano no mercado da América Latina.
(MARCIO AITH)


Colaborou a Reportagem Local


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