São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2000

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FUTEBOL
Técnica, habilidade, criatividade

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Em outras épocas, o futebol brasileiro se destacava e vencia os demais em virtude da habilidade e da criatividade. Não pela técnica.
Frequentemente, confundimos esses conceitos. A técnica é o conjunto de fundamentos básicos, como o passe, o drible, a finalização, o desarme e outros. É uma característica geral e impessoal. Pode ser ensinada e desenvolvida com treinos e com a melhoria da tecnologia e dos métodos de treinamento. Foi o que aconteceu nos Jogos Olímpicos, principalmente na natação.
A habilidade é pessoal. Finalizar bem é um dos fundamentos técnicos. Em curva, é uma habilidade. Pode ser aprimorada, mas dificilmente aprendida.
A criatividade é a capacidade de inventar e imaginar. Não se aprende, mas pode-se ensinar a usá-la.
O talento, por sua vez, é a reunião de tudo isso.
Muitos excelentes jogadores brasileiros se destacam pela habilidade e/ou criatividade, mas não pela técnica. Parecem craques, mas não são.
Maradona foi o mais hábil e artístico, mas Pelé foi o melhor. O Rei reuniu, ao máximo, a técnica, a habilidade, a criatividade e outras qualidades.
A infância, segundo estudos científicos e a observação empírica, é a fase ideal para se descobrir e desenvolver a habilidade e a criatividade. Para isso, é necessário deixar o menino brincar com a bola. Sem regras. Divertir e sonhar com os encantos e a magia do futebol.
A infância não é o momento de se aprender a técnica. Nessa fase, ainda não existe uma estrutura psicomotora. A técnica deve ser ensinada na adolescência e nas categorias de base dos clubes. Servirá de sustentação para a manutenção e o aprimoramento da habilidade e da criatividade.
Hoje, os meninos, precocemente, tentam aprender a técnica nas escolinhas antes de descobrir a habilidade. Não aprendem uma coisa nem outra.
Quem não foi craque nos campos de pelada, nunca será na vida adulta, nos gramados.
Os países mais desenvolvidos investiram muito na técnica. No futebol, países sem qualquer tradição, como Estados Unidos e Japão, melhoraram muito. Mesmo sem habilidade e criatividade, já são adversários difíceis para as melhores equipes.
Os africanos, por meio do intercâmbio com a Europa, estão aliando habilidade, técnica e disciplina. São bicampeões olímpicos e logo disputarão o título mundial.
O futebol brasileiro não aprimorou sua técnica por falta de melhor estrutura e calendário.
Os jogadores treinam pouco. Nas categorias de base dos clubes, os meninos cometem os mesmos erros dos adultos. Nada se cria. Tudo se repete.
Na área emocional, enquanto os especialistas trabalham nas universidades e nos centros de psicologia esportiva, os pseudo-psicólogos utilizam, nos clubes e no COB (Comitê Olímpico Brasileiro), técnicas de auto-ajuda amadoras, ineficientes e sensacionalistas.
No futebol, e em outras áreas da sociedade brasileira, existe uma dissociação entre o conhecimento acadêmico e a prática. Muitos excelentes professores de educação física não entendem do esporte. Os práticos ex-atletas não conhecem os métodos de treinamento. Os dois saberes são essenciais.
Assim como Narciso, o futebol brasileiro apaixonou-se por sua imagem. Somos ainda os mais habilidosos e criativos, mas falta técnica, estratégia, organização e profissionalismo.
Os hábeis e criativos encantam, mas nem sempre vencem.
Para minha surpresa, fui convidado pelo presidente da CBF, Ricardo Teixeira, para ser o coordenador técnico da seleção brasileira de futebol.
Não aceitei.
O motivo principal, dito a ele por telefone, é que esse cargo é de confiança. Sempre critiquei a maneira como a CBF conduziu o futebol brasileiro. A entidade, como órgão máximo, é a principal responsável pela atual bagunça no futebol no Brasil.
Não seria coerente aceitar o convite, mesmo sendo para um cargo técnico. Não me sentiria bem.
Além disso, o coordenador técnico da seleção não tem poderes para mudar os graves problemas estruturais do futebol, como o calendário.
A intenção do presidente da CBF, de mudar toda a estrutura da comissão técnica e convidar primeiramente um coordenador, é boa. Esse coordenador vai indicar o técnico, e os dois escolherão a comissão técnica. Isso retira os excessivos poderes do treinador.
Minha contribuição pode ser dada de outra forma. Se quiserem saber minha opinião, é só ler minha coluna.
O que penso, falo e escrevo.
E-mail tostao.folha@uol.com.br




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