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NATAÇÃO
Levado às piscinas por uma gripe, nadador negro inclui Salvador no circuito de elite com o bronze em Sydney
Edvaldo Valério afoga a história no braço
ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA
ENVIADA ESPECIAL A SALVADOR
Quando acompanhava o filho
ganhar todas as provas da categoria mirim que disputava, a mãe do
nadador Edvaldo Valério frequentemente ouvia a pergunta:
"Mas o que você dá a esse menino? Combustível de avião?".
O responsável pela conquista da
medalha de bronze no 4 x 100 m
livre nos Jogos Olímpicos de
Sydney -quando pulou na piscina para fechar o revezamento em
quarto lugar, caiu para sexto e
chegou em terceiro- parece
mesmo uma máquina.
Superando adversidades como
a má situação financeira de sua família, o fato de treinar na Bahia,
ficar fora do circuito SP-RJ de natação e até a natureza -há pesquisadores que dizem que pessoas de origem negra têm biótipo
desfavorável para a natação por
terem ossatura pesada-, Edvaldo Valério, 22, conseguiu chegar à
elite mundial do esporte.
Bala, como é conhecido, foi o
primeiro nadador negro do Brasil
a subir ao pódio em uma Olimpíada e é o único da equipe que
não treina nos EUA, dispondo de
uma infra-estrutura inferior.
Baiano de Salvador, viveu até o
ano passado em Itapuã, na periferia da cidade, acordando às 5h para percorrer de ônibus os 20 km
até o clube onde treina. Levava
uma hora até o local. Em Sydney,
sua performance que valeu o
bronze ao Brasil durou só 48s72.
Filho de um funcionário da Secretaria da Segurança Pública e de
uma dona-de-casa, Valério já
pensou em desistir de nadar por
falta de condições financeiras -o
patrocínio só veio em 1997, depois
de dez anos de competições.
"Gato" às avessas
Valério começou a nadar aos 3
anos por sugestão de uma pediatra, porque vivia constantemente
gripado. Sua carreira começou
como "gato" às avessas: a escola
de natação só aceitava crianças
com mais de 4 anos. "Ninguém
pediu certidão", lembra a mãe,
Aína do Santos Silva.
A escolinha era do irmão de Sergio Silva, atual técnico de Valério.
Sidnei Silva costumava fazer
competições internas, e o desempenho de Valério logo chamou a
atenção. "Meu irmão me ligou dizendo que tinha um menino que
nadava muito ligeiro", conta Sergio, que chamou Valério para
treinar com ele, aos 6 anos.
Depois de anos disputando
campeonatos no Nordeste, a carreira do nadador disparou na última Copa do Mundo de Natação,
quando levou oito medalhas.
Reserva da equipe do 4 x 100 m
livre no Pan de Winnipeg-99, Valério conquistou a posição de titular da equipe para Sydney após ter
feito o terceiro melhor tempo do
grupo -perdendo para Gustavo
Borges e Fernando Scherer.
Apenas participar de uma
Olimpíada já era o sonho do nadador. "Quando pulei na água,
não sabia a colocação. Foi só na
virada dos 50 m que olhei por baixo d'água e vi que estávamos bem.
Faltando 25 m, vi que nadava na
frente e que estava abrindo. Senti
o pessoal me estimulando e parece que Deus me iluminou naquele
momento. Deu tudo certo", diz.
Piscina e Internet
A rotina de Valério é dura. Ele
treina todos os dias: durante a semana, nada de manhã e à tarde, e
nos finais de semana, apenas de
manhã. Férias? "No final do ano
tirei três dias."
Valério acorda às 5h e vai para o
treino das 6h às 9h. Depois, ele
treina à tarde, das 15h às 17h na
piscina e mais uma hora e meia de
musculação e alongamento.
Junto com ele treinam mais
quatro nadadores financiados pelo Baneb, o seu primeiro grande
patrocinador. Os nadadores têm
uma equipe de apoio que reúne
técnico, preparador físico, médico, psicólogo e nutricionista.
No ano passado, o nadador terminou o ensino médio, depois de
ter perdido vários anos por causa
das viagens para competições e o
ritmo de treinos.
Quando sobra um tempo, Valério vai com os amigos ao shopping. "A gente faz lanche, vai ao
cinema. No mais, fico em casa, na
Internet. Gosto de ler as páginas
de esportes e entrar nos bate-papos. Entro em um canal que é só
de atletas", conta o nadador, que
recebeu 180 e-mails depois da
prova em que ganhou o bronze.
Fã de música baiana, Valério
também realizou outro sonho:
conversou com a sua musa Ivete
Sangalo. "Ela foi para a recepção
de Valério no aeroporto, mas não
deu para se encontrarem. Na
mesma tarde, conversaram rapidamente por telefone. Era um sonho dele, ele tremia de cima a baixo", conta a mãe, enquanto o filho
sorria sem jeito.
Na última segunda-feira, depois
de uma semana de folga preenchida dando entrevistas e recebendo homenagens, Edvaldo Valério voltou a treinar.
A meta agora é o Campeonato
Mundial do ano que vem, que será no Japão. As eliminatórias serão em dezembro, no Rio. O nadador vai tentar a classificação
nas provas de 50 m, 100 m, 4 x 100
m e 4 x 200 m livres. Depois disso,
ele não sabe. "Daí a gente vê."
Após o sucesso em Sydney, Valério pretende trabalhar duro para melhorar seus pontos fracos: a
chegada, a saída e a virada. "Tudo
o que Valério ganhou até hoje foi
na raça. Ele não é um atleta técnico. Preciso de infra-estrutura, como fitas de vídeo, para melhorar
esses problemas", diz Sergio.
Apesar das dificuldades, Valério
não pensa em se mudar para um
lugar que ofereça condições melhores de treino.
"Não saio de Salvador por nada.
Minha família é daqui, meus amigos, as pessoas que acompanham
a minha vida. Penso assim: se
consegui trazer a medalha treinando com a estrutura que tenho,
para que mudar? Deu certo uma
vez e pode dar certo de novo."
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