São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2000

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NATAÇÃO
Levado às piscinas por uma gripe, nadador negro inclui Salvador no circuito de elite com o bronze em Sydney
Edvaldo Valério afoga a história no braço


ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA
ENVIADA ESPECIAL A SALVADOR

Quando acompanhava o filho ganhar todas as provas da categoria mirim que disputava, a mãe do nadador Edvaldo Valério frequentemente ouvia a pergunta: "Mas o que você dá a esse menino? Combustível de avião?".
O responsável pela conquista da medalha de bronze no 4 x 100 m livre nos Jogos Olímpicos de Sydney -quando pulou na piscina para fechar o revezamento em quarto lugar, caiu para sexto e chegou em terceiro- parece mesmo uma máquina.
Superando adversidades como a má situação financeira de sua família, o fato de treinar na Bahia, ficar fora do circuito SP-RJ de natação e até a natureza -há pesquisadores que dizem que pessoas de origem negra têm biótipo desfavorável para a natação por terem ossatura pesada-, Edvaldo Valério, 22, conseguiu chegar à elite mundial do esporte.
Bala, como é conhecido, foi o primeiro nadador negro do Brasil a subir ao pódio em uma Olimpíada e é o único da equipe que não treina nos EUA, dispondo de uma infra-estrutura inferior.
Baiano de Salvador, viveu até o ano passado em Itapuã, na periferia da cidade, acordando às 5h para percorrer de ônibus os 20 km até o clube onde treina. Levava uma hora até o local. Em Sydney, sua performance que valeu o bronze ao Brasil durou só 48s72.
Filho de um funcionário da Secretaria da Segurança Pública e de uma dona-de-casa, Valério já pensou em desistir de nadar por falta de condições financeiras -o patrocínio só veio em 1997, depois de dez anos de competições.

"Gato" às avessas
Valério começou a nadar aos 3 anos por sugestão de uma pediatra, porque vivia constantemente gripado. Sua carreira começou como "gato" às avessas: a escola de natação só aceitava crianças com mais de 4 anos. "Ninguém pediu certidão", lembra a mãe, Aína do Santos Silva.
A escolinha era do irmão de Sergio Silva, atual técnico de Valério. Sidnei Silva costumava fazer competições internas, e o desempenho de Valério logo chamou a atenção. "Meu irmão me ligou dizendo que tinha um menino que nadava muito ligeiro", conta Sergio, que chamou Valério para treinar com ele, aos 6 anos.
Depois de anos disputando campeonatos no Nordeste, a carreira do nadador disparou na última Copa do Mundo de Natação, quando levou oito medalhas.
Reserva da equipe do 4 x 100 m livre no Pan de Winnipeg-99, Valério conquistou a posição de titular da equipe para Sydney após ter feito o terceiro melhor tempo do grupo -perdendo para Gustavo Borges e Fernando Scherer.
Apenas participar de uma Olimpíada já era o sonho do nadador. "Quando pulei na água, não sabia a colocação. Foi só na virada dos 50 m que olhei por baixo d'água e vi que estávamos bem. Faltando 25 m, vi que nadava na frente e que estava abrindo. Senti o pessoal me estimulando e parece que Deus me iluminou naquele momento. Deu tudo certo", diz.

Piscina e Internet
A rotina de Valério é dura. Ele treina todos os dias: durante a semana, nada de manhã e à tarde, e nos finais de semana, apenas de manhã. Férias? "No final do ano tirei três dias."
Valério acorda às 5h e vai para o treino das 6h às 9h. Depois, ele treina à tarde, das 15h às 17h na piscina e mais uma hora e meia de musculação e alongamento.
Junto com ele treinam mais quatro nadadores financiados pelo Baneb, o seu primeiro grande patrocinador. Os nadadores têm uma equipe de apoio que reúne técnico, preparador físico, médico, psicólogo e nutricionista.
No ano passado, o nadador terminou o ensino médio, depois de ter perdido vários anos por causa das viagens para competições e o ritmo de treinos.
Quando sobra um tempo, Valério vai com os amigos ao shopping. "A gente faz lanche, vai ao cinema. No mais, fico em casa, na Internet. Gosto de ler as páginas de esportes e entrar nos bate-papos. Entro em um canal que é só de atletas", conta o nadador, que recebeu 180 e-mails depois da prova em que ganhou o bronze.
Fã de música baiana, Valério também realizou outro sonho: conversou com a sua musa Ivete Sangalo. "Ela foi para a recepção de Valério no aeroporto, mas não deu para se encontrarem. Na mesma tarde, conversaram rapidamente por telefone. Era um sonho dele, ele tremia de cima a baixo", conta a mãe, enquanto o filho sorria sem jeito.
Na última segunda-feira, depois de uma semana de folga preenchida dando entrevistas e recebendo homenagens, Edvaldo Valério voltou a treinar.
A meta agora é o Campeonato Mundial do ano que vem, que será no Japão. As eliminatórias serão em dezembro, no Rio. O nadador vai tentar a classificação nas provas de 50 m, 100 m, 4 x 100 m e 4 x 200 m livres. Depois disso, ele não sabe. "Daí a gente vê."
Após o sucesso em Sydney, Valério pretende trabalhar duro para melhorar seus pontos fracos: a chegada, a saída e a virada. "Tudo o que Valério ganhou até hoje foi na raça. Ele não é um atleta técnico. Preciso de infra-estrutura, como fitas de vídeo, para melhorar esses problemas", diz Sergio.
Apesar das dificuldades, Valério não pensa em se mudar para um lugar que ofereça condições melhores de treino.
"Não saio de Salvador por nada. Minha família é daqui, meus amigos, as pessoas que acompanham a minha vida. Penso assim: se consegui trazer a medalha treinando com a estrutura que tenho, para que mudar? Deu certo uma vez e pode dar certo de novo."



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