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FUTEBOL
Raimundo, o rei do submundo, e os juvenis
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Cheguei ao Bar da Preta e
fui direto para a mesa de bilhar, onde Raimundo, o rei do
submundo, me esperava. Ele estava iluminado apenas pela fraca
lâmpada da mesa. Com seu dente
de ouro, mordia umas fatias de
salame regadas com limão.
Raimundo, o rei do submundo,
conhece como ninguém os porões
do futebol. Nabi Abi Chedid o
chama de "meu mestre" e Onaireves Moura tem uma foto sua na
cabeceira da cama.
- Aceita um salaminho?, ele
me perguntou, enquanto encaçapava mais uma bola.
- Obrigado, já almocei, disse
eu, esquivando-me da iguaria.
- O que você quer saber hoje,
meu rapaz?
- Sabe o que é?, é que um amigo meu disse que seu filho, um
craque, não foi aceito nos juvenis
de um clube do interior porque
não assinou uma procuração. O
senhor sabe como é isso?
- Ah, é coisa muito comum
hoje em dia.
- Comum?
- Mais do que ingresso falso.
- E como é que funciona?
- Hoje em dia, o pessoal só faz
alguma coisa por você em troca
de uma procuração. E com essa
história de procuração para cá,
procuração para lá, os direitos
dos jogadores acabam fatiados
que nem este salame. Você não
quer mesmo provar?
- Não, obrigado.
- E, por isso, é que tem jogador
que pertence 50% a um clube,
20% a outro, 15% a um empresário, 10% a ele mesmo e 5 % ao
açougueiro da esquina.
- Sei... E essa história de só jogar quem assinar a procuração?
- Os juvenis viraram um grande negócio, e muitos times do interior terceirizaram seus departamentos de futebol amador.
- Terceirizaram?
- Terceirizar é quando você,
dizendo que quer ser o primeiro,
mas com segundas intenções, passa um trabalho para terceiros e
recebe um serviço de quinta.
- Ah...
- Bom, continuando, esses clubes passaram seu departamento
amador para um empresário e esse empresário fica encarregado de
tudo. Dá as chuteiras, as camisas
e, às vezes, até fica como técnico.
- Sei...
- Aí, logo na primeira reunião
o sujeito diz: "Vou ser bem transparente, quem quiser jogar neste
time tem que assinar uma procuração para mim. Não sou nenhum idiota de treinar vocês para
depois vir alguém, levar todo
mundo e eu não ganhar nada".
- Foi exatamente o que disseram para o filho do meu amigo!
- Pois é. Aí, quem assina joga,
e quem não assina vai lustrar o
banco de reservas.
- Pensei que com o fim do passe essas coisas tinham acabado...
- Fim do passe?
- É, o passe acabou, não é?
Raimundo, o rei do submundo,
sorriu. Seu dente de ouro brilhou
e ele me fitou como se olhasse para uma criança que acredita em
cegonha. Depois de tirar um pedaço de salame dos dentes com a
comprida unha do seu mindinho,
ele me disse: "Meu querido, não é
porque uma coisa muda de nome
que ela deixa de existir".
Com mil demônios!
O América do Rio vai disputar a
final da Taça Guanabara. É
bom ver um time se reeguer das
profundezas do inferno. O
evangélico Jorginho vem fazendo um ótimo trabalho. Só não
concordo com a história de tirar o Diabo como símbolo do
time. Primeiro, porque não
acredito no demônio de chifres
e rabo pontudo. Segundo, porque é uma tradição do clube.
Uma das melhores coisas do
Brasil é a tolerância religiosa,
em que pode-se tirar sarro do
nariz de um judeu, da barba de
um muçulmano e do chapéu do
papa. Pelo amor de Deus, não
vamos perder isso!
Erramos
Na última coluna, disse que o
São Paulo foi campeão paulista
em 33. Errei. Foi o Palestra
Itália.
E-mail - torero@uol.com.br
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