São Paulo, quinta-feira, 09 de fevereiro de 2006

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FUTEBOL

Raimundo, o rei do submundo, e os juvenis

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Cheguei ao Bar da Preta e fui direto para a mesa de bilhar, onde Raimundo, o rei do submundo, me esperava. Ele estava iluminado apenas pela fraca lâmpada da mesa. Com seu dente de ouro, mordia umas fatias de salame regadas com limão.
Raimundo, o rei do submundo, conhece como ninguém os porões do futebol. Nabi Abi Chedid o chama de "meu mestre" e Onaireves Moura tem uma foto sua na cabeceira da cama.
- Aceita um salaminho?, ele me perguntou, enquanto encaçapava mais uma bola.
- Obrigado, já almocei, disse eu, esquivando-me da iguaria.
- O que você quer saber hoje, meu rapaz?
- Sabe o que é?, é que um amigo meu disse que seu filho, um craque, não foi aceito nos juvenis de um clube do interior porque não assinou uma procuração. O senhor sabe como é isso?
- Ah, é coisa muito comum hoje em dia.
- Comum?
- Mais do que ingresso falso.
- E como é que funciona?
- Hoje em dia, o pessoal só faz alguma coisa por você em troca de uma procuração. E com essa história de procuração para cá, procuração para lá, os direitos dos jogadores acabam fatiados que nem este salame. Você não quer mesmo provar?
- Não, obrigado.
- E, por isso, é que tem jogador que pertence 50% a um clube, 20% a outro, 15% a um empresário, 10% a ele mesmo e 5 % ao açougueiro da esquina.
- Sei... E essa história de só jogar quem assinar a procuração?
- Os juvenis viraram um grande negócio, e muitos times do interior terceirizaram seus departamentos de futebol amador.
- Terceirizaram?
- Terceirizar é quando você, dizendo que quer ser o primeiro, mas com segundas intenções, passa um trabalho para terceiros e recebe um serviço de quinta.
- Ah...
- Bom, continuando, esses clubes passaram seu departamento amador para um empresário e esse empresário fica encarregado de tudo. Dá as chuteiras, as camisas e, às vezes, até fica como técnico.
- Sei...
- Aí, logo na primeira reunião o sujeito diz: "Vou ser bem transparente, quem quiser jogar neste time tem que assinar uma procuração para mim. Não sou nenhum idiota de treinar vocês para depois vir alguém, levar todo mundo e eu não ganhar nada".
- Foi exatamente o que disseram para o filho do meu amigo!
- Pois é. Aí, quem assina joga, e quem não assina vai lustrar o banco de reservas.
- Pensei que com o fim do passe essas coisas tinham acabado...
- Fim do passe?
- É, o passe acabou, não é?
Raimundo, o rei do submundo, sorriu. Seu dente de ouro brilhou e ele me fitou como se olhasse para uma criança que acredita em cegonha. Depois de tirar um pedaço de salame dos dentes com a comprida unha do seu mindinho, ele me disse: "Meu querido, não é porque uma coisa muda de nome que ela deixa de existir".

Com mil demônios!
O América do Rio vai disputar a final da Taça Guanabara. É bom ver um time se reeguer das profundezas do inferno. O evangélico Jorginho vem fazendo um ótimo trabalho. Só não concordo com a história de tirar o Diabo como símbolo do time. Primeiro, porque não acredito no demônio de chifres e rabo pontudo. Segundo, porque é uma tradição do clube. Uma das melhores coisas do Brasil é a tolerância religiosa, em que pode-se tirar sarro do nariz de um judeu, da barba de um muçulmano e do chapéu do papa. Pelo amor de Deus, não vamos perder isso!

Erramos
Na última coluna, disse que o São Paulo foi campeão paulista em 33. Errei. Foi o Palestra Itália.


E-mail - torero@uol.com.br

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