São Paulo, sábado, 09 de fevereiro de 2008

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MOTOR

Um lindo "sempre"


Pode apostar: cenas idiotas de racismo no circuito de Barcelona não vão abalar a autoconfiança de Hamilton


FÁBIO SEIXAS
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

ANTONIO Calderon tornou-se celebridade mundial nos últimos dias. No mau sentido. Calderon rodou sites e jornais do planeta todo no centro de uma foto em que aparece com o rosto pintado de preto, com uma peruca cinza, vestindo blusa preta de mangas longas sob uma camiseta branca com os dizeres "Hamilton's Familly" (sic).
Tornou-se, assim, a cara das manifestações racistas que aconteceram contra Hamilton há uma semana, em Barcelona. Não, não era só ele. E, não, os protestos não ficaram nisso. Pelo menos dez pessoas foram expulsas do circuito. Além do grupo de fantasiados, havia "torcedores" com faixas ofensivas e outros que, sobre os boxes da McLaren, arremessavam objetos nos funcionários. Mas a pecha grudou em Calderon.
Que jura que tudo não passou de um mal-entendido. "Nos fantasiamos daquele jeito para festejar o Carnaval. Queríamos dar um toque de humor aos testes e tirar um sarro do pai de Hamilton, que aparece na TV em todos os GPs. Não tivemos a menor intenção de rir da cor da sua pele ou de ofender alguém", declarou ao jornal espanhol "Publico".
Pode até ser. A foto de Calderon e seus amigos de certa forma remete à velha imagem de atores que pintavam o rosto de preto para interpretar negros, muitas vezes em situações de humor escrachado. No incensado "Brasil-de-todas-as-raças", "sem racismos ou preconceitos", a peça Pedro Mico, de Antônio Callado, quase uma caricatura, fez sucesso seguindo a fórmula da tinta preta.
Mas eram outros tempos. Hoje, por "n" motivos, do acirramento das tensões raciais à onda do "politicamente correto", cenas assim não cabem. Mesmo que sua única intenção tenha sido o bom humor, Calderon foi imprudente. E naïf. Numa era em que ser naïf é quase ser idiota. Que engula as críticas, pois.
E os outros, os dos cartazes e objetos arremessados? São idiotas completos, que deveriam ter sido identificados para que seus nomes também corressem o mundo e para que fossem impedidos de entrar em arenas esportivas pelo resto dos dias. Quanto a Hamilton, apesar da chateação, aposto que nada acontecerá. A base para isso, uma resposta que deu a este colunista em 1999.
O piloto tinha então 14 anos, era um projeto da McLaren e objeto de reportagem desta Folha sobre negros no automobilismo. Na espera para a entrevista, seu pai disse que a cor da pele poderia ser "uma excepcional oportunidade de marketing". E explicou: "Em dez anos, ele vai estar na F-1. Vamos quebrar a hegemonia branca, e isso vai chamar a atenção das empresas." O garoto, do alto de sua pré-adolescência, foi mais puro. À pergunta sobre se o fato de ser negro influenciou na decisão da equipe, respondeu: "Não acho que tenha sido essa a razão. Sempre fui bom".

fseixas@folhasp.com.br


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