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FUTEBOL
Atleta pensa e tem alma
TOSTÃO
Nesta semana, o mundo esportivo ficou perplexo com o suicídio
do jovem jogador Saric, de 21
anos, do San Lorenzo, da Argentina. Por serem atletas, esses jovens
passam a imagem de serem felizes
e de terem saúde física e mental
perfeitas. Como qualquer outra
pessoa estão sujeitos a problemas
comuns ao ser humano, talvez até
com mais intensidade, por causa
da responsabilidade pública e dos
desafios da profissão.
Ainda existem pessoas que não
acreditam nas influências psicológicas na vida e no futebol. Acham
que tudo é racional e biológico.
Recentemente, a TV mostrou o
caso de uma mulher que parou de
menstruar, a barriga cresceu e
que apresentava todos os outros
sintomas de uma gravidez. Na sala de parto, viram que a gravidez
tão desejada era psicológica, para
a frustração da mãe.
Nos anos 60, um jovem e excelente jogador do Cruzeiro piorou
suas atuações e não parava de se
queixar de dores musculares. O
médico não entendia, já que todos
os exames estavam normais. Um
dia, descobrimos a causa das más
atuações do jogador: saudade. Ele
veio do interior e não suportava
ficar longe de sua terra, da família, da namorada, de andar descalço etc. O jogador teve merecidas férias e tudo melhorou.
A comissão técnica dos clubes se
preocupa muito com a técnica, tática, com as dores musculares, ósseas, gripes, calos, caspas, coceiras
no nariz dos jogadores, mas esquece do lado emocional. É capaz
de diagnosticar raros problemas
físicos, mas incapaz de perceber
uma tristeza repentina e uma
dor-de-cotovelo.
Existem vários especialistas nas
comissões técnicas dos times, mas
poucas têm um psicólogo. Se houvesse um Freud na comissão da
seleção no Mundial de 98, a convulsão ou a crise emocional do
Ronaldo teria menor consequência. Naquele momento, houve
uma incompetência emocional
não só do craque, mas coletiva.
Além disso, os jogadores são
muito paparicados e mimados.
Mais que um filho único. São tratados como crianças ou como seres mentalmente inferiores. Existe
um receio das comissões técnicas
de se falar as coisas claramente,
como, por exemplo, sobre os problemas de altitude. Temem que os
jogadores fiquem sugestionados,
preocupados e ansiosos.
O atleta não tem só músculos,
ossos, tendões, cartilagens etc. Ele
também pensa e tem alma.
Por que há jogadores que somente brilham quando entram
no segundo tempo? São os famosos talismãs. Caio e Dinei são alguns dos atuais exemplos.
Existe o contrário: jogadores
que só atuam bem quando entram no início do jogo. Se entram
depois, não conseguem incendiar
o time. Só sabem fazer o que foi
programado nos treinos. Há também os que não fazem diferença
entrando antes ou depois. São os
mais comuns. No máximo, cumprem as ordens do "professor".
Qual será a melhor explicação
para os talismãs? A mais óbvia é
que os jogadores adversários estão
cansados no segundo tempo, e o
talismã, enxuto. Se for veloz e driblador, fica ainda mais fácil. Isso,
no entanto, não explica o pequeno número de jogadores capazes
de mudar a história da partida .
Outra explicação, psicológica,
tipo "Analista de Bagé" (personagem de Luís Fernando Veríssimo),
é que o talismã se sente poderoso e
machão. Ele não pode falhar.
Certamente existem outras suposições mais interessantes. Talvez a melhor seja a que o talismã
não tem explicação. Ele existe.
Existem jogadores que impressionam no início de suas carreiras, despertam grande curiosidade, são endeusados e depois frustram a todos. Parecem craques,
mas não são. Pior, acham que são.
São apenas bons jogadores.
Há inúmeros exemplos: Souza,
Dodô, Iranildo, Felipe, Lincoln e
Cairo (Atlético-MG), Jackson
(Cruzeiro). Exigem deles mais do
que podem fazer. A expectativa é
muito maior que a realidade.
Frequentemente, dizem que o
habilidoso Souza (do São Paulo) é
um craque, apesar de ele fazer
poucos gols, ser frágil fisicamente,
não ter velocidade etc. É um craque que não é. Para justificar as
apenas regulares atuações do Iranildo, falam sempre que ele está
fora de ritmo. O ritmo dele é esse.
Não existe outro.
Hoje, contra o Vasco, Joel Santana sabe que para marcar bem Romário e Edmundo (se jogar), os
zagueiros não poderão jogar
adiantados, deixando espaços nas
suas costas. O contra-ataque será
a melhor opção para o Botafogo
penetrar e acabar com a festa vascaína. Nada disso será eficiente se
a Corte de São Januário estiver
inspirada. Ou será que o reino está cansado de tantas farras?
E-mail tostao.folha@uol.com.br
Tostão escreve aos domingos e às quartas-feiras
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