São Paulo, domingo, 09 de abril de 2000


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FUTEBOL
Atleta pensa e tem alma

TOSTÃO

Nesta semana, o mundo esportivo ficou perplexo com o suicídio do jovem jogador Saric, de 21 anos, do San Lorenzo, da Argentina. Por serem atletas, esses jovens passam a imagem de serem felizes e de terem saúde física e mental perfeitas. Como qualquer outra pessoa estão sujeitos a problemas comuns ao ser humano, talvez até com mais intensidade, por causa da responsabilidade pública e dos desafios da profissão.
Ainda existem pessoas que não acreditam nas influências psicológicas na vida e no futebol. Acham que tudo é racional e biológico.
Recentemente, a TV mostrou o caso de uma mulher que parou de menstruar, a barriga cresceu e que apresentava todos os outros sintomas de uma gravidez. Na sala de parto, viram que a gravidez tão desejada era psicológica, para a frustração da mãe.
Nos anos 60, um jovem e excelente jogador do Cruzeiro piorou suas atuações e não parava de se queixar de dores musculares. O médico não entendia, já que todos os exames estavam normais. Um dia, descobrimos a causa das más atuações do jogador: saudade. Ele veio do interior e não suportava ficar longe de sua terra, da família, da namorada, de andar descalço etc. O jogador teve merecidas férias e tudo melhorou.
A comissão técnica dos clubes se preocupa muito com a técnica, tática, com as dores musculares, ósseas, gripes, calos, caspas, coceiras no nariz dos jogadores, mas esquece do lado emocional. É capaz de diagnosticar raros problemas físicos, mas incapaz de perceber uma tristeza repentina e uma dor-de-cotovelo.
Existem vários especialistas nas comissões técnicas dos times, mas poucas têm um psicólogo. Se houvesse um Freud na comissão da seleção no Mundial de 98, a convulsão ou a crise emocional do Ronaldo teria menor consequência. Naquele momento, houve uma incompetência emocional não só do craque, mas coletiva.
Além disso, os jogadores são muito paparicados e mimados. Mais que um filho único. São tratados como crianças ou como seres mentalmente inferiores. Existe um receio das comissões técnicas de se falar as coisas claramente, como, por exemplo, sobre os problemas de altitude. Temem que os jogadores fiquem sugestionados, preocupados e ansiosos.
O atleta não tem só músculos, ossos, tendões, cartilagens etc. Ele também pensa e tem alma.

Por que há jogadores que somente brilham quando entram no segundo tempo? São os famosos talismãs. Caio e Dinei são alguns dos atuais exemplos.
Existe o contrário: jogadores que só atuam bem quando entram no início do jogo. Se entram depois, não conseguem incendiar o time. Só sabem fazer o que foi programado nos treinos. Há também os que não fazem diferença entrando antes ou depois. São os mais comuns. No máximo, cumprem as ordens do "professor".
Qual será a melhor explicação para os talismãs? A mais óbvia é que os jogadores adversários estão cansados no segundo tempo, e o talismã, enxuto. Se for veloz e driblador, fica ainda mais fácil. Isso, no entanto, não explica o pequeno número de jogadores capazes de mudar a história da partida .
Outra explicação, psicológica, tipo "Analista de Bagé" (personagem de Luís Fernando Veríssimo), é que o talismã se sente poderoso e machão. Ele não pode falhar.
Certamente existem outras suposições mais interessantes. Talvez a melhor seja a que o talismã não tem explicação. Ele existe.

Existem jogadores que impressionam no início de suas carreiras, despertam grande curiosidade, são endeusados e depois frustram a todos. Parecem craques, mas não são. Pior, acham que são. São apenas bons jogadores.
Há inúmeros exemplos: Souza, Dodô, Iranildo, Felipe, Lincoln e Cairo (Atlético-MG), Jackson (Cruzeiro). Exigem deles mais do que podem fazer. A expectativa é muito maior que a realidade.
Frequentemente, dizem que o habilidoso Souza (do São Paulo) é um craque, apesar de ele fazer poucos gols, ser frágil fisicamente, não ter velocidade etc. É um craque que não é. Para justificar as apenas regulares atuações do Iranildo, falam sempre que ele está fora de ritmo. O ritmo dele é esse. Não existe outro.

Hoje, contra o Vasco, Joel Santana sabe que para marcar bem Romário e Edmundo (se jogar), os zagueiros não poderão jogar adiantados, deixando espaços nas suas costas. O contra-ataque será a melhor opção para o Botafogo penetrar e acabar com a festa vascaína. Nada disso será eficiente se a Corte de São Januário estiver inspirada. Ou será que o reino está cansado de tantas farras?

E-mail tostao.folha@uol.com.br


Tostão escreve aos domingos e às quartas-feiras

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