São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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FUTEBOL

Futebol de crack

FLAVIO PRADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ir a todo estádio de futebol no Brasil é mesmo uma grande aventura.
Além dos maus tratos, falta de respeito, sujeira e desorganização, você pode ser surpreendido por um bando uniformizado e tomar uma violenta surra. Basta torcer para o time oposto ao da gangue com a qual você cruzou.
Os uniformizados ganharam muita força nos últimos tempos. Mandam e desmandam em quase todos os clubes, têm amplo espaço na mídia e estão acima do bem e do mal com respaldo político e salas abertas para reuniões até mesmo nos batalhões de choque. Afastados dos estádios há alguns anos, pelo menos em tese, conseguiram liminares, mudaram nomes e seguiram em atividade tão grande que hoje elegem vereadores, deputados e outros menos cotados, que garantem áreas de influências ainda maiores. E ninguém controla nada.
Com a morte daquele garoto de 16 anos no final de Corinthians x Palmeiras, já são 25 pessoas no total. E apenas dois presos. Como as mortes são praticadas por bandos, não há 23 assassinos soltos. Há pelo menos cem. Mas cem pessoas bem respaldadas.
Durante a semana fez-se muita espuma. Foi um tal de dar entrevistas, requisitar fitas, fazer promessas, ouvir suspeitos, como se algo fosse ser apurado. Não creio, baseado no que se viu até hoje.
Passa o tempo, o assunto fica esquecido, e as coisas seguem iguais até que morra mais alguém daqui a alguns meses. Aí começa tudo de novo. Essa chanchada parece que não terá fim. As pessoas estão sempre fazendo concessões.
Até o promotor Fernando Capez, que lá atrás foi o único a tentar cortar o mal pela raiz, deu entrevistas no começo do ano, buscando um jeito de trazer as uniformizadas de volta aos estádios, como se elas tivessem saído.
E o poder desse pessoal só aumenta. Nenhum clube, até hoje, cobrou direitos pela exploração do nome. São vendidos bonés, chaveiros, camisas etc. em nome de uma determinada agremiação, que nada recebe em troca.
Ao contrário, muita vezes fica refém dos tais torcedores. A viagem do Corinthians terça-feira para Fortaleza, após perder de 4 a 0 para o Palmeiras, foi patética.
A Infraero proibiu a divulgação do horário de embarque dos profissionais que iriam trabalhar, com medo de pessoas que, não tendo o que fazer, poderiam agredi-los de novo. Mesmo com a classificação o time não voltou a São Paulo e seguiu para BH, onde joga hoje com o Atlético-MG.
Se perderem vão voltar outra vez na clandestinidade, como se fossem marginais, e não jogadores só talvez incapazes de vestirem a camisa de um grande time.
O futebol ficou refém das uniformizadas primeiro por acomodação, depois porque alguns dirigentes as usavam para seus próprios interesses. E por último por medo, já que elas têm salvo-conduto dentro dos estádios e nos centros de treinamento.
Não vai demorar o dia em que o controle de entrada nos campos de futebol ficará por conta deles.
Nesse caso talvez eles tragam a solução de um problema que cresce nos estádios de forma muito rápida, sem que ninguém que manda se incomode: a comercialização e consumo de drogas.
Se a violência vem das uniformizadas, há também momentos bonitos que elas nos trazem, muitas vezes tolhidos por bobagens.
Há algum tempo proibiram a fumaça colorida, alegando-se que ela era tóxica. Talvez fosse mesmo. Mas a fumaça colorida das torcidas nem de longe se compara com o que se sente agora.
Hoje, ironicamente, o cheiro, em quase todos os jogos, é de maconha. E quase sempre vindo das numeradas. Venda e consumo viraram rotina especialmente em grandes jogos, sem qualquer tipo de questionamento. Com campo livre para agir, os traficantes agora estão levando também crack.
Não são poucas as pessoas que me procuram pedindo providência. Se elas enxergam e nós sentimos o cheiro forte durante todo o tempo, por que razão não há uma ação repressiva?
Parece que os estádios de futebol viraram mesmo terra de ninguém. Além da violência, não só tolerada mas praticamente institucionalizada, temos também as drogas. Fico imaginando o dia em que alguém menos avisado chegará para ver um jogo e lhe oferecerão algo estranho.
Num primeiro momento, ele não vai compreender porque querem lhe passar um craque. Mas logo verá que se trata de crack.


Flavio Prado, 50, é apresentador do "Mesa Redonda" da TV Gazeta e comentarista da rádio Jovem Pan
Tostão está em férias


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