São Paulo, sexta-feira, 09 de junho de 2006

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CLÓVIS ROSSI

Os últimos amadores

CONFESSO que até me emociona o fato de ainda haver amadores em meio ao grande negócio que se tornou o futebol. Não, não se preocupe, que não cairei na pieguice saudosista de achar que bom era o tempo em que o pessoal atuava por amor à camisa, se matava pela pátria de chuteiras, como Nelson Rodrigues definia a seleção. Não sou dos que torcem para o Brasil por obrigação, por ser brasileiro. Futebol é espetáculo e, para torcer por algum artista, é preciso que ele seja bom, muito bom, brasileiro, inglês, mexicano, japonês ou argentino (sim, gosto deles, sempre me trataram muitíssimo bem). O que me fascina no amadorismo é essa massa de gente que, nos grandes eventos esportivos, se apresenta para trabalhar de graça, como voluntários. Na Alemanha, aliás, são todos irritantemente loiros/as, de olhos irritantemente azuis. Mas gentilíssimos. Nem sempre eficazes, o que contraria a imagem de eficiência de que gozam os alemães. Ontem, véspera da abertura da Copa, havia mais coisas que não sabiam do que as que sabiam. Tudo bem, já não me irrito mais com essas pequenas falhas. Num mundo em que o dinheiro se transformou no grande deus, trabalhar de graça é notícia. Mesmo em um país que tem um sistema de bem-estar social tão avançado que permite a sobrevivência digna até para quem não consegue emprego. É verdade que há uma onda colossal para jogar fora a criança (o estado de bem-estar social) junto à água do banho (seus excessos), mas até agora os alemães resistiram bravamente. Com uniformes azuis, meio desmaiados (os uniformes), a moçada (e até alguns já entrados em anos) exibe às costas o slogan da Copa: "A time to make friends" (tempo de fazer amigos). Torço para que seja essa de fato a motivação. Sei que muita gente torce o nariz para o esporte (o futebol em particular), mas é difícil encontrar outro território em que se possa trabalhar de graça, só para fazer amigos. Política, por exemplo, o território que desgraçadamente me toca freqüentar a maior parte do tempo, é o exemplo exatamente oposto. É saudável, pois, respirar amadorismo.

@ - crossi@uol.com.br


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