São Paulo, quarta-feira, 09 de junho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA
CARLOS ALBERTO PARREIRA


O futebol está unindo brancos e negros do país

TÉCNICO DA ÁFRICA DO SUL COMPARA O PAPEL DA COPA COM UNIÃO ALCANÇADA POR MANDELA COM O RÚGBI EM 1995, RETRATADA EM FILME

PAULA CESARINO COSTA
SÉRGIO RANGEL
ENVIADOS ESPECIAIS A JOHANNESBURGO

A Copa do Mundo vai repetir o sucesso de superação da barreira racial alcançada por Nelson Mandela com o rúgbi, retratado no filme "Invictus", afirma o brasileiro Carlos Alberto Parreira, 67, técnico da África do Sul.
"O futebol está unindo o país", disse Parreira à Folha.
Aplaudido por brancos em restaurantes de Johannesburgo, o carioca comanda uma equipe quase exclusivamente negra. "Temos um branco apenas pois é o único com condição de jogar. Futebol aqui é esporte de preto."
"Invictus", baseado em livro de John Carlin, conta a história da Copa do Mundo de rúgbi de 1995, ano seguinte ao da eleição de Mandela, em uma África do Sul que havia sido recém-libertada da política oficial de segregação racial, o apartheid.
E mostra como Mandela foi o arquiteto por trás da campanha vitoriosa da seleção do país ao transformar o rúgbi, esporte majoritariamente branco, num fator de integração nacional com o slogan "Um time, um país".
"Um jogo aqui é uma festa. A torcida é talvez a mais alegre do mundo", diz Parreira, invicto há 12 partidas.
Em sua sexta Copa, ele avisa: é a última como treinador. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Folha nos jardins do hotel em que a seleção sul-africana está hospedada, em Johannesburgo.

 

Folha - Você acha que a seleção pode ter a função de unir brancos e negros do país?
Carlos Alberto Parreira -
Os brancos estão animadíssimos. Fui a um restaurante italiano que tem muito branco e fui aplaudido.
O que a seleção de futebol está fazendo o Mandela fez com o rúgbi em 1995. "Um esporte, um país." O que vai acontecer na Copa, não sei.
Estamos num grupo dificílimo. A seleção estava desacreditada. Agora, estamos nos unindo. Um jogo aqui é uma festa. A torcida é talvez a mais alegre do mundo.

Existe alguma questão racial no time?
Não. Temos um branco apenas porque é o único com condição de jogar. Futebol aqui é esporte de preto.

Como é a questão sexual?
São muito liberais. Tanto quanto os brasileiros. Aqui há jogadores que já tiveram três mulheres, mas nada ao mesmo tempo oficialmente. Vários deixam de pagar a pensão e por isso têm problemas com a Justiça.

Os índices de portadores de HIV são altos. Já houve algum caso de jogador com Aids?
Já aconteceu em clubes. Na seleção, não sei. Aqui é proibido fazer exame de HIV. Só podemos fazer se os jogadores permitirem.

A África do Sul mostrará alguma evolução tática na Copa?
Nós não tínhamos uma cara. Quis dar uma identidade. Fiz questão de colocar a bola no chão. Parecia coisa de criança. Não somos iguais ao Brasil ou ao Barcelona, mas já temos um modo de jogar.
Não sei se o futebol aqui vai melhorar. Eles têm que investir na base para não ficar para trás. É uma das dez ligas mais ricas do mundo.

Você acompanhou a preparação da África do Sul para sediar a Copa de 2010. O que o Brasil precisa fazer para o Mundial de 2014?
O Soccer City [estádio principal de Johannesburgo, local da abertura e da final] foi demolido e fizeram essa beleza de estádio, o mais bonito do mundo. Porque é único. Os estádios estão iguais, todos têm arcos imensos.
Perdemos uma oportunidade de construir três ou quatro estádio novos. Tomamos a decisão de renovar três estádios de 60 anos. Perdemos uma oportunidade histórica. Aqui, fizeram quatro aeroportos modernos, construíram hotéis.

Você vai disputar o seu sexto Mundial como treinador, um recorde. Pretende trabalhar na Copa de 2014?
Depois [do Mundial na África], acabou. É difícil cortar o cordão umbilical com o futebol. O que me seduz é o trabalho dentro de campo.
Na Copa de 2014, poderei estar de observador técnico da Fifa. Agora, o ciclo de seleção é pra encerrar aqui mesmo. Já são seis Copas como treinador. O bom é que nada disso foi planejado.

É bom isolar os jogadores, como fazem várias seleções?
Nós, como treinadores, queremos um pouco de privacidade. Os jogadores são pessoas normais, mas, quando veem aquela multidão de câmeras, eles travam e mudam o comportamento. Têm dupla personalidade.
Esse mundo de celebridades, muitas câmeras, assusta. No campo, [os atletas] jogam com o coração.

O futebol virou showbizz?
A gente fala da televisão, fala da mídia, dos comerciais. As empresas estão investindo. O futebol mudou. E está sobrevivendo com isso.
Se a televisão quer o jogo num horário, não se discute, ela está pagando, tem de jogar. Sem esse dinheiro não se vive. Tem que ser pragmático. E hoje os atletas ganham mais, jogam mais, têm mais responsabilidades, os prêmios são maiores.


Texto Anterior: Governo distribui 1 bi de preservativos
Próximo Texto: Frases
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.