São Paulo, sábado, 09 de julho de 2005

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MOTOR

"Like a Bridge..."

FÁBIO SEIXAS
DA REPORTAGEM LOCAL

A janela da van estava aberta, e o som, no máximo. "Like a Bridge over Troubled Water", cantavam Simon e Garfunkel. Dava para ouvir da calçada.
Fazia sol e seria um dia comum de verão não tivessem explodido bombas no centro de Londres. Não tivessem morrido mais de 50. Não tivessem 700 ficado feridos.
Mas para aquele técnico de máquinas de lavar roupas, profissão dedurada pelos letreiros na caçamba, o dia continuava. Ali, numa paralela ao Tâmisa, depois da ponte de Vauxhall, ele curtia sua música, alheio ao que ocorria.
Ou tentando ficar alheio, buscando refúgio na solidão da sua van, tentando se concentrar no conserto que logo teria para fazer.
Londres estava, anteontem, como esse técnico. Tentando acreditar que nada acontecera. Não havia histeria, não havia corre-corre, não havia revolta, não havia choradeira. Era um blasé coletivo.
Todos procuravam levar suas vidas da maneira mais normal possível. O grande problema parecia ser de ordem prática: arrumar um jeito de voltar para casa, já que o metrô estava paralisado.
Os EUA não reagem assim às grandes encrencas, já sabemos. Os latinos e os orientais também não. E se é para falar da F-1, insignificante diante da loucura do mundo, esse elo pode ser feito: o "modus faciendi" britânico explica por que a categoria é como é.
A F-1 já fez corrida em dia de final de Copa do Mundo. A F-1 correu em Monza cinco dias depois do 11 de Setembro. A F-1 ignorou o boicote mundial e viajou por anos e anos para a África do Sul do apartheid. A F-1 estava na Bélgica quando a União Soviética se esfacelava, em agosto de 1991. E a F-1 colocou, ontem, 24 carros numa pista a 150 km de Londres.
O lema é seguir com o espetáculo, dane-se tudo, o resto não interessa. No caso deste fim de semana, o máximo que a categoria se permitiu foi conceder um minuto de silêncio, no grid de largada.
São todos como o técnico da máquina de lavar roupas. Indiferentes, pelo menos na aparência.
Porque, como ele, a F-1 tem a alma puramente britânica. Nasceu aqui mesmo, em Silverstone, uma pista de pouso da Segunda Guerra, em 50. Aqui já correu 58 vezes em 56 anos. O Reino Unido já ganhou 12 Mundiais de Pilotos e abriga seis das dez escuderias. A maioria dos mecânicos, dirigentes e jornalistas nasceu na Ilha.
Se um marciano pousasse sua nave ontem entre a Woodcote e a Copse não perceberia um sinal de que, perto dali, acontecera um dos piores atentados terroristas da história. Não havia uma faixa nas arquibancadas, uma homenagem, um símbolo de luto ou uma iniciativa para levantar recursos às famílias das vítimas.
Assim é a Inglaterra. Assim é a F-1. Assim será o GP da Inglaterra de F-1 de 2005. Uma grande coleção de sentimentos não compartilhados e que, por isso, perdem toda a grandeza, toda a força, todo o significado. Como se voltar para casa à noite ou disputar uma corrida fosse mais importante do que o que aconteceu.
O Reino Unido e a F-1 estão perdendo a chance de se entristecerem. Pena. Às vezes a tristeza que abre as portas para a reflexão.

Bom humor
Bob McKenzie é repórter do "Daily Express" e escreveu em julho do ano passado: "Se a McLaren vencer um GP em 2004, vou dar uma volta pelado por Silverstone". Pois é, Kimi Raikkonen ganhou em Spa e agora a McLaren cobra o pagamento da aposta. A equipe, porém, fez uma concessão e passou a decisão para os torcedores. A votação só termina amanhã, e o endereço para quem quer participar da brincadeira é o www.mclaren.com/bobmckenzie.

Mau humor
A F-1 vive, em silêncio, sua maior crise política desde a queda de Balestre, em 1991. Oito equipes (todas, menos Ferrari e Jordan) agora buscam um consenso sobre o nome do candidato às eleições de outubro. David Richards e Jackie Stewart são potenciais candidatos.


E-mail: fseixas@folhasp.com.br

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