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MOTOR
"Like a Bridge..."
FÁBIO SEIXAS
DA REPORTAGEM LOCAL
A janela da van estava aberta, e o som, no máximo. "Like a Bridge over Troubled Water", cantavam Simon e Garfunkel. Dava para ouvir da calçada.
Fazia sol e seria um dia comum
de verão não tivessem explodido
bombas no centro de Londres.
Não tivessem morrido mais de 50.
Não tivessem 700 ficado feridos.
Mas para aquele técnico de máquinas de lavar roupas, profissão
dedurada pelos letreiros na caçamba, o dia continuava. Ali, numa paralela ao Tâmisa, depois da
ponte de Vauxhall, ele curtia sua
música, alheio ao que ocorria.
Ou tentando ficar alheio, buscando refúgio na solidão da sua
van, tentando se concentrar no
conserto que logo teria para fazer.
Londres estava, anteontem, como esse técnico. Tentando acreditar que nada acontecera. Não havia histeria, não havia corre-corre, não havia revolta, não havia
choradeira. Era um blasé coletivo.
Todos procuravam levar suas
vidas da maneira mais normal
possível. O grande problema parecia ser de ordem prática: arrumar um jeito de voltar para casa,
já que o metrô estava paralisado.
Os EUA não reagem assim às
grandes encrencas, já sabemos.
Os latinos e os orientais também
não. E se é para falar da F-1, insignificante diante da loucura do
mundo, esse elo pode ser feito: o
"modus faciendi" britânico explica por que a categoria é como é.
A F-1 já fez corrida em dia de final de Copa do Mundo. A F-1 correu em Monza cinco dias depois
do 11 de Setembro. A F-1 ignorou
o boicote mundial e viajou por
anos e anos para a África do Sul
do apartheid. A F-1 estava na Bélgica quando a União Soviética se
esfacelava, em agosto de 1991. E a
F-1 colocou, ontem, 24 carros numa pista a 150 km de Londres.
O lema é seguir com o espetáculo, dane-se tudo, o resto não interessa. No caso deste fim de semana, o máximo que a categoria se
permitiu foi conceder um minuto
de silêncio, no grid de largada.
São todos como o técnico da
máquina de lavar roupas. Indiferentes, pelo menos na aparência.
Porque, como ele, a F-1 tem a alma puramente britânica. Nasceu
aqui mesmo, em Silverstone, uma
pista de pouso da Segunda Guerra, em 50. Aqui já correu 58 vezes
em 56 anos. O Reino Unido já ganhou 12 Mundiais de Pilotos e
abriga seis das dez escuderias. A
maioria dos mecânicos, dirigentes e jornalistas nasceu na Ilha.
Se um marciano pousasse sua
nave ontem entre a Woodcote e a
Copse não perceberia um sinal de
que, perto dali, acontecera um
dos piores atentados terroristas
da história. Não havia uma faixa
nas arquibancadas, uma homenagem, um símbolo de luto ou
uma iniciativa para levantar recursos às famílias das vítimas.
Assim é a Inglaterra. Assim é a
F-1. Assim será o GP da Inglaterra
de F-1 de 2005. Uma grande coleção de sentimentos não compartilhados e que, por isso, perdem toda a grandeza, toda a força, todo
o significado. Como se voltar para
casa à noite ou disputar uma corrida fosse mais importante do que
o que aconteceu.
O Reino Unido e a F-1 estão perdendo a chance de se entristecerem. Pena. Às vezes a tristeza que
abre as portas para a reflexão.
Bom humor
Bob McKenzie é repórter do "Daily Express" e escreveu em julho do
ano passado: "Se a McLaren vencer um GP em 2004, vou dar uma
volta pelado por Silverstone". Pois é, Kimi Raikkonen ganhou em
Spa e agora a McLaren cobra o pagamento da aposta. A equipe, porém, fez uma concessão e passou a decisão para os torcedores. A votação só termina amanhã, e o endereço para quem quer participar da
brincadeira é o www.mclaren.com/bobmckenzie.
Mau humor
A F-1 vive, em silêncio, sua maior crise política desde a queda de Balestre, em 1991. Oito equipes (todas, menos Ferrari e Jordan) agora
buscam um consenso sobre o nome do candidato às eleições de outubro. David Richards e Jackie Stewart são potenciais candidatos.
E-mail: fseixas@folhasp.com.br
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