São Paulo, domingo, 09 de julho de 2006

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Hoje, 15h, Berlim
ITÁLIA X FRANÇA


Uma final duas europas

Decisão da Copa coloca em campo maior dilema atual no continente: o multiculturalismo da equipe francesa, em que negros, mulatos e filhos de imigrantes são maioria, contra o nacionalismo da seleção italiana, formada por 23 brancos que jogam no país

Christophe Ena/Associated Press
Zinedine Zidane, filho de argelinos, que tentará o segundo título para a França, no seu último dia como jogador de futebol


FÁBIO VICTOR
PAULO COBOS
ENVIADOS ESPECIAIS A BERLIM

GUILHERME ROSEGUINI
RICARDO PERRONE

ENVIADOS ESPECIAIS A DUISBURGO

As duas seleções que estão na final da Copa do Mundo, hoje, às 15h, são chamadas pela cor de sua camisa, os Bleus franceses e a Azzurra italiana. Os dois times que estarão em campo no Estádio Olímpico de Berlim são uma história à parte.
Ainda numa definição por cores -ou melhor, por raças-, a decisão é o duelo da Itália branca contra a França negra e mulata, num contraste que, na verdade, se estende para além do que se vê à flor da pele. É o embate entre o complexo multiculturalismo francês e o persistente nacionalismo italiano.
Se a França repetir 1998 e levar o seu segundo título mundial, mais uma vez consagrará os heróis de uma nação multirracial. E fará mais: colocará no livro das Copas do Mundo a seleção campeã mais negra e mulata da história da competição. Entre os 23 jogadores franceses, há 15 negros ou mulatos.
Em nenhum dos seus cinco títulos, o Brasil teve tantos atletas com raízes africanas no elenco. Em 2002, por exemplo, reunia 13 negros/mulatos e dez brancos (ou 12 e 11, já que Ronaldo, em entrevista à Folha, disse se considerar branco).
Primeiro sinal da tendência que agora se reforça, a França campeã de 98 contava com oito negros ou mulatos.
Agora, dos outros oito não-negros, um, o meia Dhorasoo, tem pele escura, mas origem indo-mauriciana. E o astro da equipe, Zinedine Zidane, que hoje se despede do futebol, tem ascendência argelina.
Além dos vários franceses filhos de imigrantes, o time treinado pelo branco Raymond Domenech reúne seis jogadores nascidos em outros países da África e do Caribe.
Uma vez mais, o chamado time "arco-íris" foi criticado pelo líder ultradireitista Jean-Marie Le Pen, que disse que a seleção não representava a composição racial do país. Como já ouvira de Thuram ("Ele nasceu no século errado"), ouviu de novo de Thuram: "A França que ele vê não é a França real".
A Itália tem 23 brancos em seu elenco. Só dois atletas nasceram em outros países, mas ambos são de família italiana.
Sob qualquer ângulo, a esquadra liderada por Marcello Lippi é fechada em suas fronteiras. Todos os convocados atuam no futebol italiano, uma das duas únicas seleções 100% nacionais do Mundial alemão (a outra é a Arábia Saudita). "O fato de jogarmos na Itália ajudou a criar esse grupo uniforme, que se entende em campo. Todos já se conhecem, sabem o que precisam fazer para se adaptar ao estilo do nosso jogo", interpreta o volante Pirlo.
Se é verdade que as seleções de futebol espelham as sociedades que representam, os dois times da final têm muito a contar sobre França e Itália. As histórias dos filhos de imigrantes que formam os Bleus não diferem muito das dos adolescentes que incendiaram as periferias do país em novembro passado, revoltados contra o preconceito e a discriminação.
Ao lembrar recentemente da conquista de 98, Zidane destacou o prazer que teve com a sensação de harmonia racial gerada pelo título. "O que eu me lembro é principalmente dessa festa, em que não havia brancos ou negros, todos estavam juntos. Eu voltei para reviver esse momento", disse o meia, sobre o retorno ao time nacional em 2005 após ter anunciado a aposentadoria.
Os distúrbios sociais dos "banlieues" (subúrbios) mostraram que a idéia de integração é ilusória e simplificadora, e o novo sucesso da seleção recoloca a discussão em pauta.
Na Itália, como já ocorrera em 1982, ano da última conquista mundial, a seleção ressurge como vitoriosa em meio a um megaescândalo de corrupção no futebol do país. Se triunfar hoje, a Azzurra, que também venceu em 1934 e 1938, chega ao quarto título e se isola como o segundo país mais vitorioso em Copas do Mundo, superando a Alemanha e encostando no Brasil.


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