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José Geraldo Couto
O Brasil esquecido
Nosso complexo de vira-latas convive com a crença num destino luminoso
CHEGOU ENFIM a
grande final. "L'Azzurra" contra "Les
Bleus". O verde-amarelo
ficou no meio do caminho.
Mas não consigo deixar de
pensar no Brasil.
É engraçado: quando todo mundo se fantasiava
com as cores da bandeira,
tive ganas de mudar de
país. Agora, quando parecem querer esquecer que
são brasileiros, faço questão de lembrar.
O jornalista e escritor
Ivan Lessa tem uma frase
certeira: "De 15 em 15
anos, o brasileiro esquece
o que aconteceu nos últimos 15 anos". Tenho a impressão, contudo, de que o
ciclo é mais breve: é de
quatro anos. O intervalo
entre uma Copa e outra,
entre uma eleição e outra.
Nossa memória é curta.
Temos dificuldade de acumular conhecimento e experiência. Nossa atitude é
predatória e imediatista,
como a dos primeiros exploradores portugueses
que chegaram a estas terras. Exaurido um terreno,
passamos para outro sem
pensar duas vezes.
Com isso, e voltando ao
futebol, as lições possíveis
não se sedimentam. Daqui
a quatro anos, teremos esquecido que a atual Copa
foi perdida por falta de
preparação adequada.
Sim. Faltaram-nos o estudo, o empenho e a fibra.
Como sempre, nos fiamos
apenas no talento.
Isso não acontece apenas no esporte. Nossos
cientistas são heróis isolados, verdadeiros milagres,
flores agrestes nascidas da
pedra bruta. Nossos artistas são incentivados a não
estudar, a não ensaiar, a
não lapidar seus dons.
Não estou brincando:
quem duvidar, que pergunte a Dorival Caymmi e
a Elza Soares, entre outros
que foram convencidos a
deixar brotar apenas a espontaneidade e "o talento
que Deus lhes deu".
Somos um povo estranho. Nosso complexo de
vira-lata ("a gente somos
inútil") convive com a
crença mística num destino luminoso do Brasil
("país do futuro", "abençoado por Deus").
As duas distorções opostas se completam para
criar um estado de imobilismo e apatia. "Diz que
Deus dará." E se Deus não
der, ô nega, a gente reclama da vida e fica tudo por
isso mesmo.
jgcouto@uol.com.br
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