São Paulo, domingo, 09 de julho de 2006

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José Geraldo Couto

O Brasil esquecido

Nosso complexo de vira-latas convive com a crença num destino luminoso

CHEGOU ENFIM a grande final. "L'Azzurra" contra "Les Bleus". O verde-amarelo ficou no meio do caminho. Mas não consigo deixar de pensar no Brasil.
É engraçado: quando todo mundo se fantasiava com as cores da bandeira, tive ganas de mudar de país. Agora, quando parecem querer esquecer que são brasileiros, faço questão de lembrar.
O jornalista e escritor Ivan Lessa tem uma frase certeira: "De 15 em 15 anos, o brasileiro esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos". Tenho a impressão, contudo, de que o ciclo é mais breve: é de quatro anos. O intervalo entre uma Copa e outra, entre uma eleição e outra.
Nossa memória é curta. Temos dificuldade de acumular conhecimento e experiência. Nossa atitude é predatória e imediatista, como a dos primeiros exploradores portugueses que chegaram a estas terras. Exaurido um terreno, passamos para outro sem pensar duas vezes.
Com isso, e voltando ao futebol, as lições possíveis não se sedimentam. Daqui a quatro anos, teremos esquecido que a atual Copa foi perdida por falta de preparação adequada.
Sim. Faltaram-nos o estudo, o empenho e a fibra. Como sempre, nos fiamos apenas no talento. Isso não acontece apenas no esporte. Nossos cientistas são heróis isolados, verdadeiros milagres, flores agrestes nascidas da pedra bruta. Nossos artistas são incentivados a não estudar, a não ensaiar, a não lapidar seus dons.
Não estou brincando: quem duvidar, que pergunte a Dorival Caymmi e a Elza Soares, entre outros que foram convencidos a deixar brotar apenas a espontaneidade e "o talento que Deus lhes deu".
Somos um povo estranho. Nosso complexo de vira-lata ("a gente somos inútil") convive com a crença mística num destino luminoso do Brasil ("país do futuro", "abençoado por Deus"). As duas distorções opostas se completam para criar um estado de imobilismo e apatia. "Diz que Deus dará." E se Deus não der, ô nega, a gente reclama da vida e fica tudo por isso mesmo.


jgcouto@uol.com.br

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