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Red Bull corta asas do time da Traffic
Em uma decisão de emergentes clubes-empresas na quarta divisão, "final de compadres" castiga o Desportivo Brasil
Equipe da multinacional e de Jair Picerni vence o clube de J. Hawilla por 2 a 1 e alcança a A3 num jogo que marca a nova era do futebol
RODRIGO BUENO
ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS
"Ô, o Red Bull voltou, o Red
Bull voltou, o Red Bull voltou..."
Foi assim que a "torcida" do
Red Bull, que nunca tinha visto
um acesso até ontem, cantou
na decisão contra o time da
Traffic, o Desportivo Brasil.
O tradicional Moisés Lucarelli, casa da centenária Ponte
Preta, foi o palco de um duelo
dos tempos modernos cujo final de compadres viu um tiro
incrivelmente sair pela culatra.
"Sinceramente, é a primeira
vez que eu vi isso no futebol."
A frase é de Darío Pereyra,
ex-zagueiro e ídolo são-paulino
que é responsável pela captação de atletas para a Traffic.
O jogo valia vaga na terceira
divisão do futebol paulista, a
A3. Uma vitória levava o Red
Bull, time da multinacional que
manda jogos em Campinas, a
um patamar maior. E um empate bastava para a equipe do
empresário José Hawilla.
Porém, como o Taubaté vencia o Palestra de São Bernardo
por um gol de diferença, tanto o
Red Bull quanto o time da Traffic estavam subindo de divisão
com o 2 a 1 do primeiro tempo.
"Fica aí zagueirão, não avança, os dois estão subindo. Calma goleirão, segura", gritava o
preparador de goleiros do Red
Bull, o Barroca, para o rival.
No alambrado, o ex-meia Pita, que cuida da base do Desportivo Brasil, também orientava com nervosismo os atletas
que "cozinharam" o jogo e a
própria eliminação. O Taubaté
fez um gol nos segundos finais,
venceu por 3 a 1 e está na A3.
"Tivemos a informação de
que tinha acabado lá [em Taubaté] 2 a 1, não sei o que aconteceu", disse Claudemir Peixoto,
técnico do Desportivo Brasil,
consolado por Jair Picerni, o
experiente treinador do Red
Bull. "Boa equipe. Não é ficar só
aqui não [na quarta divisão]",
falou Picerni ao colega.
"Tinha gente gritando de fora
para não atacar, esperar, pois o
resultado estava nos classificando. O time ficou tocando
nos últimos minutos, e parece
que fizeram [o Taubaté] o gol.
Não tenho a menor ideia de
quem passou a informação errada", falou Darío Pereyra.
Quando o jogo acabou, ao
som de "We Are The Champions" e até da música tema da
Champions League, um zagueiro do Desportivo Brasil perguntou à reportagem da Folha
quando tinha sido o outro jogo.
Ficou desolado com a resposta.
A imprensa escrita não pode
normalmente acompanhar jogos do gramado, mas na quarta
divisão não tem praticamente
representante da federação.
Foi possível conversar, por
exemplo, com o enfermeiro da
ambulância em meio ao jogo.
"Red Bull não é recomendável
para crianças. É um estimulante", disse o profissional vendo
dezenas de garotos e garotas
com material publicitário da
marca de produto energético.
"Gosto de Red Bull com uísque. Não torço nem para a Ponte e vou torcer para o Red Bull?
Sou é são-paulino", afirmou o
gandula Bebeto, 28, que ganhou, assim como outros colegas, R$ 30 do time mandante.
Os principais "torcedores"
do Red Bull ganham R$ 45 para
apoiar o time. "Viemos de van
de São Paulo, tudo pago. Tocamos na bateria da Acadêmicos
do Tucuruvi. Somos todos corintianos", contou Bruno Silva,
18, líder do grupo que batucou
o jogo todo com camisa da Red
Bull -são da "Toros Lokos".
A "organizada" é turbinada
com a ajuda de uma empresa
de marketing esportivo, que espalha ingressos e bate-bates
(para acompanhar o "We Will
Rock You", outro clássico do
Queen) para os estudantes.
"Não sei se tem alguma contra-indicação de Red Bull para
crianças. Acho que não. Mas
estamos tentando trazer agora
para o estádio universitários.
Muitos bebem Red Bull", falou
um dos funcionários da Planeta Esporte & Mkt, empresa que
traz a faixa e a bandeira da "Toros Lokos", cuida do som com
um DJ e promove outras ações.
Uma das músicas tocadas antes dessa decisão empresarial
foi "Independente Futebol
Clube", hit do Ultraje a Rigor.
Cerca de 1.100 pessoas estavam no Moisés Lucarelli acompanhando o jogo. Uma delas vive no local, é o massagista da
Ponte Preta, Marcus Vinícius.
"A Ponte é o time mais velho
do Brasil [foi fundada em 1900,
mesmo ano do Rio Grande, o
mais antigo em atividade]. É legal o Red Bull, mas nunca vai
tomar o espaço de um time como a Ponte. Aqui em Campinas
ou é Ponte ou Guarani", diz ele.
Também por ali o ex-atacante Edmar, responsável pelo
Campinas, assistia aos poderosos rivais. "No Campinas, tenho que procurar dinheiro todo dia. Red Bull e Traffic têm
muito. Mas, no ano passado,
subimos [para a A3], e eliminamos o Red Bull", gabou-se.
Jair Picerni, meio solitário,
riu bastante ao dar entrevista
(exclusiva) à Folha no campo.
"Estou falando para você tudo o que não falamos desde o
início, não demos nenhuma
entrevista assim, profissional",
falou ele, num estádio sem
grande nem pequena mídia.
Um fotógrafo local, que venderia depois seu trabalho para
os atletas, disse que "nem em
jogo do Campinas, que é mesmo da cidade, tem jornalista".
"Toda subida tem seu peso,
mas o Red Bull se preparou para subir. É bom projeto. Fomos
contratados para levar o time à
primeira divisão", falou Picerni, que diz ganhar mais ou menos como técnico de Série B.
Segundo Picerni, o Red Bull e
o Desportivo Brasil, da Traffic,
podem tomar o espaço de times tradicionais em crise e repetirem o São Caetano, que foi
vice até da Libertadores, embora preveja um ritmo mais lento.
"O Red Bull dá uma condição
que pouca gente dá para os jovens. Tem inglês, alemão, computador, tudo para se formar
um bom atleta. Antes, equipes
como Ferroviária, XV de Jaú e
América alimentavam os grandes. A Red Bull pode entrar
nesse meio, a Traffic já penetrou nos grandes", falou ele.
E o Red Bull já ganhou asas.
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