São Paulo, segunda-feira, 09 de novembro de 2009

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Red Bull corta asas do time da Traffic

Em uma decisão de emergentes clubes-empresas na quarta divisão, "final de compadres" castiga o Desportivo Brasil

Equipe da multinacional e de Jair Picerni vence o clube de J. Hawilla por 2 a 1 e alcança a A3 num jogo que marca a nova era do futebol

RODRIGO BUENO
ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS

"Ô, o Red Bull voltou, o Red Bull voltou, o Red Bull voltou..."
Foi assim que a "torcida" do Red Bull, que nunca tinha visto um acesso até ontem, cantou na decisão contra o time da Traffic, o Desportivo Brasil.
O tradicional Moisés Lucarelli, casa da centenária Ponte Preta, foi o palco de um duelo dos tempos modernos cujo final de compadres viu um tiro incrivelmente sair pela culatra.
"Sinceramente, é a primeira vez que eu vi isso no futebol."
A frase é de Darío Pereyra, ex-zagueiro e ídolo são-paulino que é responsável pela captação de atletas para a Traffic.
O jogo valia vaga na terceira divisão do futebol paulista, a A3. Uma vitória levava o Red Bull, time da multinacional que manda jogos em Campinas, a um patamar maior. E um empate bastava para a equipe do empresário José Hawilla.
Porém, como o Taubaté vencia o Palestra de São Bernardo por um gol de diferença, tanto o Red Bull quanto o time da Traffic estavam subindo de divisão com o 2 a 1 do primeiro tempo.
"Fica aí zagueirão, não avança, os dois estão subindo. Calma goleirão, segura", gritava o preparador de goleiros do Red Bull, o Barroca, para o rival.
No alambrado, o ex-meia Pita, que cuida da base do Desportivo Brasil, também orientava com nervosismo os atletas que "cozinharam" o jogo e a própria eliminação. O Taubaté fez um gol nos segundos finais, venceu por 3 a 1 e está na A3.
"Tivemos a informação de que tinha acabado lá [em Taubaté] 2 a 1, não sei o que aconteceu", disse Claudemir Peixoto, técnico do Desportivo Brasil, consolado por Jair Picerni, o experiente treinador do Red Bull. "Boa equipe. Não é ficar só aqui não [na quarta divisão]", falou Picerni ao colega.
"Tinha gente gritando de fora para não atacar, esperar, pois o resultado estava nos classificando. O time ficou tocando nos últimos minutos, e parece que fizeram [o Taubaté] o gol. Não tenho a menor ideia de quem passou a informação errada", falou Darío Pereyra.
Quando o jogo acabou, ao som de "We Are The Champions" e até da música tema da Champions League, um zagueiro do Desportivo Brasil perguntou à reportagem da Folha quando tinha sido o outro jogo. Ficou desolado com a resposta.
A imprensa escrita não pode normalmente acompanhar jogos do gramado, mas na quarta divisão não tem praticamente representante da federação.
Foi possível conversar, por exemplo, com o enfermeiro da ambulância em meio ao jogo. "Red Bull não é recomendável para crianças. É um estimulante", disse o profissional vendo dezenas de garotos e garotas com material publicitário da marca de produto energético.
"Gosto de Red Bull com uísque. Não torço nem para a Ponte e vou torcer para o Red Bull? Sou é são-paulino", afirmou o gandula Bebeto, 28, que ganhou, assim como outros colegas, R$ 30 do time mandante.
Os principais "torcedores" do Red Bull ganham R$ 45 para apoiar o time. "Viemos de van de São Paulo, tudo pago. Tocamos na bateria da Acadêmicos do Tucuruvi. Somos todos corintianos", contou Bruno Silva, 18, líder do grupo que batucou o jogo todo com camisa da Red Bull -são da "Toros Lokos".
A "organizada" é turbinada com a ajuda de uma empresa de marketing esportivo, que espalha ingressos e bate-bates (para acompanhar o "We Will Rock You", outro clássico do Queen) para os estudantes.
"Não sei se tem alguma contra-indicação de Red Bull para crianças. Acho que não. Mas estamos tentando trazer agora para o estádio universitários. Muitos bebem Red Bull", falou um dos funcionários da Planeta Esporte & Mkt, empresa que traz a faixa e a bandeira da "Toros Lokos", cuida do som com um DJ e promove outras ações.
Uma das músicas tocadas antes dessa decisão empresarial foi "Independente Futebol Clube", hit do Ultraje a Rigor.
Cerca de 1.100 pessoas estavam no Moisés Lucarelli acompanhando o jogo. Uma delas vive no local, é o massagista da Ponte Preta, Marcus Vinícius.
"A Ponte é o time mais velho do Brasil [foi fundada em 1900, mesmo ano do Rio Grande, o mais antigo em atividade]. É legal o Red Bull, mas nunca vai tomar o espaço de um time como a Ponte. Aqui em Campinas ou é Ponte ou Guarani", diz ele.
Também por ali o ex-atacante Edmar, responsável pelo Campinas, assistia aos poderosos rivais. "No Campinas, tenho que procurar dinheiro todo dia. Red Bull e Traffic têm muito. Mas, no ano passado, subimos [para a A3], e eliminamos o Red Bull", gabou-se.
Jair Picerni, meio solitário, riu bastante ao dar entrevista (exclusiva) à Folha no campo.
"Estou falando para você tudo o que não falamos desde o início, não demos nenhuma entrevista assim, profissional", falou ele, num estádio sem grande nem pequena mídia.
Um fotógrafo local, que venderia depois seu trabalho para os atletas, disse que "nem em jogo do Campinas, que é mesmo da cidade, tem jornalista".
"Toda subida tem seu peso, mas o Red Bull se preparou para subir. É bom projeto. Fomos contratados para levar o time à primeira divisão", falou Picerni, que diz ganhar mais ou menos como técnico de Série B.
Segundo Picerni, o Red Bull e o Desportivo Brasil, da Traffic, podem tomar o espaço de times tradicionais em crise e repetirem o São Caetano, que foi vice até da Libertadores, embora preveja um ritmo mais lento.
"O Red Bull dá uma condição que pouca gente dá para os jovens. Tem inglês, alemão, computador, tudo para se formar um bom atleta. Antes, equipes como Ferroviária, XV de Jaú e América alimentavam os grandes. A Red Bull pode entrar nesse meio, a Traffic já penetrou nos grandes", falou ele.
E o Red Bull já ganhou asas.


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