São Paulo, terça-feira, 09 de dezembro de 2008

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Tudo azul para os tricolores


Se alguém os chamar de Bambi, nem vão se importar e podem responder: "Estou mais para Rei Leão. Ha, ha..."

QUANDO CHEGUEI ao Bar da Preta, vi um sujeito fazendo o seguinte pedido: "Minha boa senhora, por favor, me veja um sumo vaca misturado a uma forte infusão de Coffea arabica. Para acompanhar, duas fatias de pão com uma fina e dourada cobertura de manteiga. Ah, e se não for pedir demais, aqueça-as numa superfície de ferro plana e quente".
No instante seguinte, a Preta gritava para seu assistente: "Mentira, sai um pingado e um pão na chapa para o são-paulino aqui!".
Enquanto Mentira (que tem este apelido porque tem uma perna mais curta que a outra) preparava a iguaria, perguntei para a Preta: "Como é que você sabe que ele é são-paulino?" "Bah, hoje eles estão assim, todos cheios de si. Tudo para eles tem gosto especial. Qualquer empadinha é um manjar, qualquer cafezinho é um néctar dos deuses. Precisava ver no ônibus. Estava mais apertado que cinto de pobre, mas eles nem reclamavam. Tinha um até que assobiava, como se estivesse indo de Galaxy [as referências automobilísticas da Preta são um tanto antiquadas] para o trabalho.
E, na hora de parar, em vez de puxar a cordinha, o cara disse: "Chofer, pode parar. Aqui está ótimo"." Depois chegaram outros tricolores e vi que a Preta tinha razão. Todos estavam com um certo ar de realeza, de felicidade suprema, de monge budista que chegou ao nirvana. Suas colunas estavam eretas, seus queixos altivos, seus olhares nas nuvens. Ou, no caso, nas lâmpadas fosforescentes.
Mas, convenhamos, realmente o são-paulino tem todo o direito de ser metido, arrogante, soberbo, empafiado. Afinal, hoje ele é tricampeão brasileiro. Tri e hexa. Na era dos pontos corridos, ninguém é mais do que eles.
Os números não mentem. Mas elogiam. O time teve o segundo melhor ataque (perdeu por um gol para o Flamengo), a segunda melhor defesa (perdeu por um gol para o Grêmio), o maior número de vitórias fora de casa (sete), o menor número de derrotas em casa (apenas uma), o melhor saldo de gols e, o mais importante, o maior número de pontos. Sem falar no show do segundo turno, quando fez 42 pontos, nove a mais que o segundo colocado, o Flamengo. O São Paulo não teve o artilheiro, mas nenhum outro time pôs dois atletas entre os dez maiores marcadores (Borges foi o sexto, e Hugo, o sétimo). Hoje o são-paulino pode olhar o corintiano com ironia ("Que pena que você não estava na Série A este ano..."), afetar uma certa solidariedade com o santista ("Escapou do rebaixamento, hein? Você me surpreendeu!") e ser sádico com o palmeirense ("Ora, o quarto lugar não é tão ruim...").
Sim, hoje os são-paulinos podem fazer piadas de tudo e de todos, dizer que são os melhores, que têm o clube mais organizado, o melhor goleiro, o melhor técnico, o melhor tudo. Se alguém os chamar de Bambi, nem vão se importar. Só darão de ombros, como se aquilo fosse uma formiga tentando derrubar um obelisco. Se bem que alguns talvez se dêem ao trabalho de responder, e nesse caso falarão algo como: "Bambi? Acho que estou mais para o Rei Leão. Ha, ha, ha...".

torero@uol.com.br



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