São Paulo, Segunda-feira, 10 de Janeiro de 2000


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Honra e mérito

LÚCIO RIBEIRO
Editor-adjunto da Ilustrada

As atenções do futebol estão hoje voltadas para a rodada paulistana do Mundial de Clubes, que define um de seus finalistas, o time que na pior da hipótese futurística já vai acordar amanhã como uma das duas melhores agremiações da Terra, segundo a Fifa.
A voz corrente da crítica esportiva brasileira de ponta é a de que logo o Mundial de Clubes suplantará em importância a Copa do Mundo de seleções. Argumento plenamente defensável por duas razões.
A primeira é que a paixão clubística é bem maior do que o amor pela seleção (se o Corinthians enfrentasse a seleção brasileira, para quem você acha que o corintiano torceria?).
A segunda é a prática cada vez mais corrente de os times grandes do planeta formarem superequipes. Alguém duvida que o Arsenal, de Londres ou mesmo o poderoso Manchester United sejam bem melhores do que a seleção inglesa? Ou que o Real Madrid que aqui está não tenha mais força do que a seleção espanhola?
Tudo muito bom, tudo muito bem, mas o fato é que o primeiro encontro mundial de clubes promovido pela FIFA ainda está mais com cara de "torneio de verão" do que de campeonato com potencial de ser mais badalado do que a Copa do Mundo. E essa ausência de legitimação do Mundial é culpa dela mesmo, sim, da velha conhecida cartolagem.
São Paulo, Brasil, América do Sul, Planeta Terra. Federação Paulista, CBF, Confederação Sul-Americana, Fifa. No micro ou no macrocosmo do futebol, o que impera é o jogo de interesses. Nunca o jogo jogado. Eu sei, o discurso é batido e tal, mas agora atingiu níveis de amargar. É perdoável considerar experimental um primeiro torneio. Mas este precisava começar tão errado?
Se a fria lógica prevalecer, essa mesma lógica que o futebol capricha em derrubar, Vasco e Corinthians, justamente os dois times biônicos do torneio (mais o Vasco que o Corinthians, na verdade), decidem na próxima sexta-feira qual é o melhor time do mundo. Veja bem, não do Campeonato Brasileiro, da Copa do Brasil, nem mesmo, vá la, da Libertadores. É da Terra. Do mundo. Do sistema solar, da galáxia, pelo que sabemos.
Absurdo? Talvez não, uma vez que os dois representantes nacionais são disparados os melhores times do chamado, permita-me, "país do futebol", o primeiro do ranking, o tetra.
Mas e o mérito?
Na ponta do lápis, e se o normal da bola se confirmar, o Corinthians será campeão do Planeta Terra sem ganhar de ao menos um time de expressão internacional. Pois sua campanha até a glória mundial seria vencer um clássico caseiro (Vasco), dois times que não se classificariam para um octogonal do Paulistão (Raja Casablanca e Al Nassr) e empatar em casa com o Real Madrid.
Essa trajetória corintiana renderia uma estrela amarela em sua camisa da mesma importância das que ostenta, por exemplo, o São Paulo, que só as conquistou depois de passar pelas batalhas da Libertadores e pelos gigantes Barcelona e Milan em campo neutro. A culpa está longe de ser do Corinthians, que montou um time ainda mais poderoso do que o que conquistou o bicampeonato brasileiro.
Quem caminha na contramão da credibilidade é a toda-poderosa Fifa, a própria organizadora do Mundial, que merece ter mostrado na estréia, para a Europa via TV, um jogo do "campeão do século", o Real Madrid, talvez com o menor público de um jogo desse vulto da história do time espanhol. Merece o desdém de uma equipe que se disse "forçada" a participar, a tal da "missão diplomática" inglesa. Merece o gol da bola que não entrou. Merece um jogo do Corinthians com menos público do que aquele que o time arrastou ao Morumbi em qualquer jogo da fase final do último Brasileirão.
Que o segundo Mundial de Clubes seja realizado na mão inversa do que foi este, o "experimental". Com mais times de expressão e de méritos. Para termos mais jogos de encher os olhos como o Corinthians x Real da última sexta.


José Geraldo Couto, que escreve neste espaço às segundas-feiras e aos sábados, está de férias

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