São Paulo, quinta-feira, 10 de maio de 2007

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JOSÉ ROBERTO TORERO

O que mais mudou no nosso futebol?

Os juízes? Eles continuam iguais, só que hoje em dia com suas camisas muito mais coloridas

UM TORCEDOR-ECONOMISTA poderia dizer que o que mais mudou em nosso futebol é que agora somos ultra-exportadores. Qualquer um que jogue uma bolinha mais ou menos consegue ir para o exterior, mesmo que seja para a Coréia, o Oriente Médio ou as terceiras divisões européias. Já um otimista poderia dizer que o que mais mudou são os estádios, que lentamente vêm sendo reformados e melhorados. Mas esta evolução ainda é pequena, tímida. Os estádios brasileiros realmente mudaram, mas pouco, muito pouco.
Alguém poderia dizer que o que mais mudou foram os dirigentes. Mas este alguém teria que ser surdo para não escutar as notícias e cego para não ler os balancetes de seu clube. Os juízes? Continuam iguais, só que com camisas mais coloridas. Acho que o que mais mudou no futebol brasileiro não são as arquibancadas nem o jogo que se vê das arquibancadas. O que mais mudou no futebol brasileiro foi quem se senta nas arquibancadas. Aquele torcedor sem dentes, mas sorridente, que aparecia no Canal 100 quase não existe mais. Nem nas arquibancadas, nem nas ruas. O brasileiro perdeu sua ingenuidade, o que é bom, mas perdeu sua alegria, o que é mau.
Assim como os trabalhadores, as torcidas se organizaram fortemente na década de 80. Mas, do mesmo jeito que o sindicalismo virou assunto para historiadores (sim, há exceções aqui e ali), as torcidas organizadas tornaram-se caso de polícia (claro, aqui também há exceções).
A esperada organização das classes populares não ocorreu no sindicalismo, nas comunidades eclesiais de base ou na política, mas nos presídios. Por outro lado, as torcidas organizadas, que, sonhava-se, poderiam expulsar dirigentes corruptos e reformular o futebol, foram compradas ou domesticadas. Não tomaram o poder nos clubes, assim como o sindicalismo não expulsou os corruptos de Brasília. Pelo contrário. O que era popular e espontâneo, como o torcedor comum, está sumindo. Muitos elogiaram os públicos das finais fluminense e paulista, com cerca de 60 mil pessoas cada uma. Mas, em outros tempos, Maracanã e Morumbi teriam quase o dobro deste número. E isso não significa apenas que o brasileiro sumiu dos estádios, mas que ele está menos alegre, menos participativo, menos feliz. Trocamos os carnavais de rua por micaretas; os estádios, pela TV.
Em Santos, no domingo, quem quisesse comemorar na praça Independência teria que passar por bloqueios policiais. O pior é que ninguém, inclusive eu, pensou que aquilo fosse uma repressão exagerada. Quem estava lá achava isso necessário e normal, ainda mais depois das comemorações do Brasileiro de 2004, quando houve até um assassinato a pontapés na praça.
Certa vez, um professor de jornalismo me disse que ninguém dava bola para o jornalismo policial, mas que ele era importante porque tornava mais claro o estado da sociedade brasileira, coisa que as editorias de política e economia demoravam a ver. Na época, achei um exagero. Hoje, penso que ele estava certo. E penso que pela editoria de Esporte também se pode fazer um diagnóstico do país. Um diagnóstico que mostra que o que mais mudou no futebol brasileiro foi o brasileiro.

torero@uol.com.br


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