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Visão de jogo
Com locução, Fifa abre Copa para deficiente visual
Entidade cria espaço especial para cegos em todos os
jogos, que experimentam o prazer de voltar ao estádio
GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADO ESPECIAL A MUNIQUE
Jürgen Meck não conseguiu
dormir à noite. Durante o café
da manhã, avisou a filha que estava nervoso. Queria chegar cedo ao palco da abertura.
Temia que algum contratempo o impedisse de acompanhar
pela primeira vez um jogo de
futebol no estádio. Às 15h30,
duas horas e meia antes de a
Alemanha enfrentar a Costa
Rica, ele encontrou seu assento
de número 18 no bloco 126 das
arquibancadas.
Não fazia idéia de que, naquele momento, se tornava o
primeiro de um grupo de dez
deficientes visuais a entrar para a história do esporte. No
Mundial alemão, a Fifa colocou
à venda ingressos destinados a
cegos e disponibilizou serviços
especiais para os mesmos, um
fato inédito. São 640 entradas
no total, dez por duelo.
"Eu fui um bom atacante na
juventude, mas tenho uma
doença degenerativa na visão e,
aos 16 anos, já não conseguia
mais jogar. Freqüentar um estádio é algo com que sempre sonhei. E agora estou na Copa",
festeja Meck, 58, aposentado.
Ele pagou o equivalente a R$
124 pelo ingresso.
A entidade que comanda o
futebol deu fones de ouvido conectados a um transmissor a
cada deficiente. Todos puderam escutar a narração da partida, a cargo de voluntários.
Marko Schlichting não sabia
que teria tal tecnologia à disposição. "É um belo presente de
aniversário", declara o jornalista, que fez ontem 48 anos.
Schlichting nasceu cego e
costuma seguir jogos da seleção
alemã pela TV. Mas desejava
saber o que de tão especial havia em um estádio. Sua resposta
veio logo aos 6min, quando
Philipp Lahm marcou o primeiro gol alemão.
"Gritar e sentir aquela atmosfera de alegria é algo inexplicável. Parece que todas as
pessoas são uma só. Incrível."
Ao seu lado, Wehi Renham
também parecia não acreditar
na situação. Queria mais. Logo
após o tento que abriu o marcador, o cego puxou o coro: "Einer
geht noch, einen geht noch
rein" (algo como "podemos
marcar mais um"). Ele veio de
Dortmund (610 km de Munique) para acompanhar o duelo.
No intervalo, ligou eufórico
para a mulher, Angela e analisou a partida. "Estamos ganhando, mas a defesa não está
bem. Vai ser um segundo tempo complicado", explicou.
Muito de sua observação veio
das palavras que Jochen
Stutzky e Martin Sedlacek sopravam em seus ouvidos. Ambos atuaram como narradores
ontem. Desde 2005, cumprem
a função nos jogos do Bayern.
"A diferença é que no Campeonato Nacional conhecemos
todo mundo. Agora está difícil.
Não sei o nome de ninguém da
Costa Rica", afirma Stutzky.
Mesmo assim, ambos saíram
cobertos de elogios, especialmente do escritor Allan Tachnakian, um cego já experiente
em acompanhar jogos in loco.
Tachnakian vive em Paris e é
torcedor do Lyon. Sempre que
pode, vai ao estádio. "Perdi a visão aos 12 anos, mas não o gosto
por futebol. Só que, lá na França, nunca ofereceram esse serviço de narração. Quando soube que seria inaugurado na Copa, corri atrás de ingresso. É
uma revolução para mim."
Ele escreveu uma carta a
Franz Beckenbauer, presidente do comitê do Mundial. Pretende entregá-la ao "Kaiser"
hoje, antes de voltar a Paris.
Ao ser questionado sobre a
diferença entre acompanhar
um jogo na TV ou no campo,
Tachnakian propõe um desafio
ao repórter da Folha. "Pegue
um fone com os narradores, vede os olhos e sente conosco. Só
assim você vai entender."
Proposta aceita. Escuridão.
O locutor começa a descrever
um ataque da Alemanha. Tachnakian avisa: "Preste atenção
na vibração do chão. Sempre
que há um lance de perigo, as
pessoas ficam tensas, esbarram
umas nas outras, batem o pé. É
sinal de algo pode ocorrer".
Logo após sua interpelação, o
público se levanta e solta um
inconfundível grito de "Uh!".
Pelos fones, o narrador explica
que o atacante Podolski estava
próximo ao gol da Costa Rica,
mas chutou para o alto, longe.
"Com o tempo, você começa
a antever as jogadas pelos gritos, pelas reações do público,
pelo ambiente. A TV ou o rádio
nunca conseguirão nada igual."
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