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JOSÉ ROBERTO TORERO
Zé Cabala e o homem que virou taça
Em entrevista com Jules Rimet, por meio do grande mago, enterro de vez o assunto Copa do Mundo
FLEUMÁTICA leitora, reumático
leitor, a Copa acabou há quase
um mês e muito já se falou de
quase todos os seus personagens: da
cabeça-dura do Zidane e da mole
barriga do Ronaldo, do sucesso de
Felipão e do fracasso de Parreira.
Mas, antes de enterrar de vez o assunto, achei que devia entrevistar
mais uma pessoa. Por isso, quando
sentei no beliche do quarto-santuário de Zé Cabala, fui logo avisando:
"Preciso falar com Jules Rimet!"
"Isso é ligação internacional!", espantou-se Gulliver, o anão que faz as
vezes de empresário, assistente e cozinheiro do mago. "Vai custar caro."
"Não me importa. Pago o que for
preciso para conseguir a entrevista."
"Então queremos dois ingressos
da final da Libertadores", disse Gulliver, tirando uma mala do armário.
"Isso é um pouco demais...", falei.
O anão nem se abalou e, enquanto
colocava os turbantes do mestre na
mala, falou: "Você é quem sabe, mas
não tem outro jeito de entrevistar
um morto. Só morrendo."
Vencido por sua lógica, concordei
com o preço. Segundos depois, eu
via Zé Cabala dançando can-can e
cantando a Marselhesa ao mesmo
tempo. Essas incorporações sempre
me espantam. Quando ele parou de
balançar as pernas, disse: "U-lá-lá,
Jules Rimet, às ordens!".
"Bem, vamos começar do começo:
onde o senhor nasceu?"
"Foi numa petite vila chamada
Theuley-les-Lavoncort, em 1873."
"O senhor deve ser herói por lá."
"Na Copa-98, fizeram um monumento, mas, antes, só havia uma placa enferrujada na casa onde nasci."
"Contam que o senhor era um sujeito muito sério."
"Muito. Tive educação severa, sabe? Era tão bom aluno que consegui
uma bolsa de estudos para estudar
em Paris. Lá me formei em direito."
"E o senhor era muito religioso?"
"Fervoroso. Até fiz parte da Democracia Católica."
"O senhor fundou alguma igreja?"
"Quase. Fundei um clube de futebol. Que também é uma coisa divina
e tem fãs ardorosos."
"Que time foi esse?"
"O Red Star. Eu e uns amigos o
criamos em 1897. E existe até hoje."
"O senhor foi um bom jogador?"
"Não. Tanto que acabei presidente do clube em 1904. O importante
no futebol é cada um achar a sua posição. A minha era de dirigente."
"Era sua vocação?"
"Era. Em 1910, criei a Liga Francesa de Futebol, e, nove anos depois,
ela se transformou na Federação
Francesa. E eu fui seu primeiro presidente, é claro. Fiquei lá até 1945."
"E na Fifa?"
"Essa eu presidi de 1921 a 1954.
Mais até do que o Havelange."
"Mas não eram os ingleses que
mandavam no futebol?"
"Eram. Mas, em 1920, eles se negaram a participar da Fifa com suas
nações rivais, então eu assumi provisoriamente e, no ano seguinte, virei presidente. Ainda bem que hoje
em dia não há mais isso. Na Copa, os
EUA podem jogar contra o Irã, Israel contra a Palestina, e o Brasil
contra a Argentina. O futebol foi feito para unir, não para separar."
"Poxa, que bonito. O senhor merecia ganhar o Nobel da Paz."
"Quase levei em 55. Bati na trave."
"Como é que o senhor se transformou no nome da Copa do Mundo?"
"Pois é, a taça só se chamava Copa
do Mundo, mas em 1946, no Congresso de Luxemburgo, quando eu
estava fazendo aniversário de 25
anos à frente da Fifa, os dirigentes
insistiram em colocar meu nome na
taça. O que eu podia fazer? Aceitei, é
claro. A vaidade está em todos nós."
"E quando se aposentou?"
"Só aos 81 anos. Eu abri a Copa da
Suíça e me aposentei. Dois anos depois morri, porque Deus, Deus que
me perdoe, é um dramaturgo sem
muita imaginação e por isso acaba a
história de todas as vidas do mesmo
jeito: com a morte do personagem.
Mas tudo bem, pelo menos deixei
uma bela coisa para o mundo."
torero@uol.com.br
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