São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 2006

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Zé Cabala e o homem que virou taça

Em entrevista com Jules Rimet, por meio do grande mago, enterro de vez o assunto Copa do Mundo

FLEUMÁTICA leitora, reumático leitor, a Copa acabou há quase um mês e muito já se falou de quase todos os seus personagens: da cabeça-dura do Zidane e da mole barriga do Ronaldo, do sucesso de Felipão e do fracasso de Parreira. Mas, antes de enterrar de vez o assunto, achei que devia entrevistar mais uma pessoa. Por isso, quando sentei no beliche do quarto-santuário de Zé Cabala, fui logo avisando:
"Preciso falar com Jules Rimet!" "Isso é ligação internacional!", espantou-se Gulliver, o anão que faz as vezes de empresário, assistente e cozinheiro do mago. "Vai custar caro." "Não me importa. Pago o que for preciso para conseguir a entrevista."
"Então queremos dois ingressos da final da Libertadores", disse Gulliver, tirando uma mala do armário. "Isso é um pouco demais...", falei.
O anão nem se abalou e, enquanto colocava os turbantes do mestre na mala, falou: "Você é quem sabe, mas não tem outro jeito de entrevistar um morto. Só morrendo."
Vencido por sua lógica, concordei com o preço. Segundos depois, eu via Zé Cabala dançando can-can e cantando a Marselhesa ao mesmo tempo. Essas incorporações sempre me espantam. Quando ele parou de balançar as pernas, disse: "U-lá-lá, Jules Rimet, às ordens!".
"Bem, vamos começar do começo: onde o senhor nasceu?"
"Foi numa petite vila chamada Theuley-les-Lavoncort, em 1873." "O senhor deve ser herói por lá."
"Na Copa-98, fizeram um monumento, mas, antes, só havia uma placa enferrujada na casa onde nasci."
"Contam que o senhor era um sujeito muito sério."
"Muito. Tive educação severa, sabe? Era tão bom aluno que consegui uma bolsa de estudos para estudar em Paris. Lá me formei em direito."
"E o senhor era muito religioso?"
"Fervoroso. Até fiz parte da Democracia Católica."
"O senhor fundou alguma igreja?"
"Quase. Fundei um clube de futebol. Que também é uma coisa divina e tem fãs ardorosos."
"Que time foi esse?"
"O Red Star. Eu e uns amigos o criamos em 1897. E existe até hoje."
"O senhor foi um bom jogador?"
"Não. Tanto que acabei presidente do clube em 1904. O importante no futebol é cada um achar a sua posição. A minha era de dirigente."
"Era sua vocação?"
"Era. Em 1910, criei a Liga Francesa de Futebol, e, nove anos depois, ela se transformou na Federação Francesa. E eu fui seu primeiro presidente, é claro. Fiquei lá até 1945."
"E na Fifa?"
"Essa eu presidi de 1921 a 1954.
Mais até do que o Havelange."
"Mas não eram os ingleses que mandavam no futebol?"
"Eram. Mas, em 1920, eles se negaram a participar da Fifa com suas nações rivais, então eu assumi provisoriamente e, no ano seguinte, virei presidente. Ainda bem que hoje em dia não há mais isso. Na Copa, os EUA podem jogar contra o Irã, Israel contra a Palestina, e o Brasil contra a Argentina. O futebol foi feito para unir, não para separar."
"Poxa, que bonito. O senhor merecia ganhar o Nobel da Paz."
"Quase levei em 55. Bati na trave."
"Como é que o senhor se transformou no nome da Copa do Mundo?"
"Pois é, a taça só se chamava Copa do Mundo, mas em 1946, no Congresso de Luxemburgo, quando eu estava fazendo aniversário de 25 anos à frente da Fifa, os dirigentes insistiram em colocar meu nome na taça. O que eu podia fazer? Aceitei, é claro. A vaidade está em todos nós."
"E quando se aposentou?"
"Só aos 81 anos. Eu abri a Copa da Suíça e me aposentei. Dois anos depois morri, porque Deus, Deus que me perdoe, é um dramaturgo sem muita imaginação e por isso acaba a história de todas as vidas do mesmo jeito: com a morte do personagem.
Mas tudo bem, pelo menos deixei uma bela coisa para o mundo."


torero@uol.com.br

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