São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

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Artigo

Olimpíada opõe China e Ocidente

Mudanças políticas radicais, esperadas por ocidentais, não devem ocorrer no país após os Jogos de Pequim

DAVID JYE YUAN SHYU
ESPECIAL PARA A FOLHA

Para a maioria dos países, o significado principal dos Jogos Olímpicos, além da questão esportiva e cultural, é de ordem econômica. Mas, na China, os atuais Jogos carregam ainda uma significativa conotação histórica e política.
Desde meados do século 19, intensificaram-se as invasões das nações ocidentais e da japonesa. Por cerca de 150 anos, a China foi praticamente um país semicolonial e era caricaturada pelos invasores como a "invalidez oriental". Além disso, por causa das diferenças culturais e dos maus entendimentos daí decorrentes, o povo chinês sofreu muitas humilhações.
Muitos desses preconceitos se propagaram no tempo e no imaginário de outros povos. Mesmo recentemente, Jack Cafferty, apresentador da CNN, chegou a afirmar que os chineses eram "estúpidos".
Para o filósofo italiano Domenico Losurdo, essa "cruzada antichinesa em curso está em total continuidade com a longa e abjeta tradição imperialista e racista".
Devido a tantas injúrias, não é por acaso que a maioria da população veja no sucesso dos Jogos uma chance de apresentar ao mundo a "cara e o espírito" verdadeiros da China moderna e, assim, "limpar-se da humilhação" de centenas de anos.
Sendo assim, os protestos contra a China no exterior surtiram um efeito contrário. Ajudaram a reforçar a unidade do povo e despertaram um sentimento de patriotismo que fortalece o governo comunista.
De acordo com a pesquisa do instituto PEW, em Washington, 86% do povo chinês está satisfeito com o resultado de política de reformas e otimista com o desenvolvimento do país. Foi o primeiro colocado entre os 24 países pesquisados.
Apesar de o Comitê Olímpico Internacional se opor à interferência política e religiosa, na prática isso não tem acontecido. Especialmente nestes Jogos, as pressões políticas do exterior são enormes. Elas incluem a questão dos diretos humanos, do meio ambiente, do Tibete, Falun Gong etc.
Em suma, os Jogos de 2008 se transformaram em um palco não só para disputas desportivas, mas também políticas. Para o jornalista Georg Blume, do "Die Zeit", os Jogos de Pequim tornaram-se para os "antichineses" uma base de teste para tentar alterar o destino e o futuro da China.
Essas discussões também refletem um impacto psicológico que o crescimento da China provocou no mundo ocidental.
Depois da Guerra Fria, a China não apenas sobreviveu à queda dos países socialistas como pôde se transformar em um gigante econômico. Esse fato deixou certos países e analistas, que ainda possuem uma ideologia herdada da Guerra Fria, insatisfeitos e preocupados.
Não se deve esperar que estes Jogos produzam mudanças políticas radicais. Mas, como eles produzem um entusiasmo no povo e propagam ideologias de mundo distintas, devem influenciar indiretamente a política. Juntamente com o crescimento da classe média, os Jogos impulsionarão o caminho das reformas. Mas as mudanças ocorrerão de forma cautelosa.
Acreditamos que, quando a festa acabar, a China continuará no caminho do desenvolvimento, como ocorre desde os anos 80. A esperança de certos ocidentais que torcem por profundas mudanças na área política não deve acontecer, pelo menos em um futuro breve.


David Jye Yuan Shyu é professor de língua e literatura chinesa da USP


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