São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

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Excluídos do esporte no Brasil, anões aparecem, mostram qualidade e tentam viver como atletas

Pequeno passo, grande salto

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O interfone estava totalmente fora do alcance. Mesmo assim, Rafael Ribeiro esticava o braço, ficava na ponta dos pés e dava pequenos pulos. Só então desistia.
Após o esforço, pedia ajuda a algum transeunte para tocar o aparelho no prédio de um colega.
Um dia cansou da dependência. Trepou no portão de ferro, subiu progressivamente e surpreendeu o porteiro ao chegar sozinho à campainha. Começava, naquele ato, sua paixão pelo esporte.
De grades, passou a escalar montanhas. Fez aulas de natação, caratê, ciclismo e até vôo livre. Agora, 15 anos depois do episódio que deu novas perspectivas para sua vida, virou uma exceção.
"As pessoas olham para mim e imaginam todo o tipo de coisas, menos que sou um aficionado por esporte. Será que é realmente tão difícil encontrar um anão-atleta como eu por aí?", questiona Ribeiro, 25 anos e 1,35 m.
A resposta é sim, ao menos no Brasil. O país não possui nenhuma associação que congregue esportistas de baixa estatura, organize campeonatos e dê um respaldo oficial aos praticantes.
Como Rafael Ribeiro em Santa Maria (RS), os anões estão sós.
A chance de mudar esse quadro apareceu após os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Atenas. Nas duas competições, atletas com menos de 1,50 m chegaram ao lugar mais alto do pódio.
É o caso do turco Halil Mutlu, 1,48 m, tricampeão olímpico no levantamento de peso. Esse sucesso impulsionou projetos como o do professor Sergio José de Castro, da Universidade Estácio de Sá. Ele escreveu o estatuto da federação carioca que vai arregimentar os anões locais. A entidade deve ser registrada em novembro. "Já organizamos alguns torneios de atletismo e natação, mas precisamos de uma roupagem oficial para pleitearmos investimentos", conta Castro.
O objetivo está traçado: enviar uma delegação para os Jogos de Anões, torneio disputado nos mesmos moldes da Olimpíada.
A competição teve início em 1993, nos EUA. Reunia pouco mais de cem atletas. No ano que vem, Paris acolhe a quarta edição e espera mais de 500 anões.
Fágner Marques diz que vai fazer de tudo para estar entre eles. Ele treina natação ao menos três vezes por semana. Só não vai mais à piscina porque precisa conciliar a rotina de atleta com a de caixa em uma rede de supermercados.
"Sou fã do Ian Thorpe. Tento nadar como ele", diz Marques, em referência ao astro australiano que levou dois ouros na Grécia.
Aos 22 anos, tem 1,37 m e diz que enfrentar anões que já têm experiência na modalidade será fácil. Difícil mesmo é confrontar entraves e preconceitos como os que já encarou no Brasil.
Ele lembra uma história emblemática. Há alguns anos, trabalhava como caixa em uma loja da rede McDonald's. Quando um cliente pedia sorvete ou refrigerante, Marques via os colegas interromperem as atividades que executavam para auxiliá-lo.
"Uma hora eu disse que poderia fazer sozinho. Deram risada, não acreditaram. Fui lá, peguei as caixas em que eram colocados os pães de hambúrguer, fiz uma escada e subi. Todo mundo ficou surpreso. Dali em diante, passaram a me ver com mais respeito."
Como Marques, existem cerca de 110 anões que praticam esportes no Brasil. É a estimativa que o pesquisador Leonardo Mataruna traçou para o recém-concluído "Atlas do Esporte no Brasil".
Segundo ele, o futebol encabeça a lista das modalidades preferidas pelos esportistas de baixa estatura. "Temos gente, mas falta organização e investimento. Sem apoio do governo ou de empresas, será complicado mandar um bom time para os Jogos de 2005", diz o educador Gustavo Gonzalez.
Sua opinião é endossada por Adílton Belarmino da Silva.
Garçom e figurante em programas de televisão - o último trabalho foi feito para a Globo, na novela "Da Cor do Pecado"-, ele joga futebol sempre que pode.
Que tal largar tudo e treinar para os Jogos de 2005? Belarmino diz que aceita, se ganhar algo com isso. "Eu preciso me sustentar."
Como os anões não são considerados deficientes físicos, os Jogos mantêm as regras das competições tradicionais. No basquete, por exemplo, as cestas ficam a 3,05 m do solo, como na NBA.
Nos campos, Belarmino, 1,35 m, iria disparar chutes no mesmo gol de 7,32 m que seu ídolo, Juninho Pernambucano, tenta acertar nos jogos do clube francês Lyon.
"Seguir os regulamentos coloca o anão em contato com a sociedade. É uma forma de combater a discriminação", explica Castro.
É exatamente o que Belarmino procurou toda a sua vida. Desde a infância, odiava ser chamado de anão. Achava a palavra pejorativa. Hoje se misturou com a multidão, provou que é bom de bola e conseguiu destaque no trabalho.
Ganhou respeito. E, com ele, exigiu o apelido que sempre quis. "Meus chegados só me chamam por um nome: sou o Gigante."

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