São Paulo, sábado, 10 de outubro de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO

O grande momento


O gol absurdo do escarnecido argentino Palermo reaviva na consciência coletiva a nobre arte dos cabeceadores


SE UMA IMAGEM , como reza o clichê, vale por mil palavras, um belo gol vale por mil crônicas esportivas.
Em vista disso, se você gosta de futebol, o melhor que tem a fazer é largar estas mal traçadas e procurar no YouTube ou coisa que o valha o gol inacreditável do argentino Palermo na vitória do seu Boca Juniors sobre o Vélez Sarsfield, no domingo passado, na Bombonera.
Enquanto você procura, tento descrever a façanha aqui com minhas ralas palavras. O goleiro do Vélez, Germán Montoya, saiu até a meia-lua para dividir a bola com um atacante do Boca e deu um chutão para a frente. Na altura da intermediária, a uns 40 m do gol, Palermo cabeceou de primeira para as redes.
Nunca vi um gol de cabeça feito dessa distância. E não é que a bola bateu na testa do jogador. Ele cabeceou com consciência e convicção. O gol de Palermo passou em branco no Brasil, mas na Argentina, seja em programas esportivos ou nas mesas de bar, não se falou de outra coisa ao longo da semana.
O lance atravessou fronteiras e mares, motivou até uma enquete do jornal espanhol "Marca" sobre o mais belo gol de cabeça já feito.
Até ontem, o golaço de Palermo vencia com 61% dos votos, muito à frente dos 33% de um gol feito nos anos 80 pelo espanhol Santillana, do Real Madrid, contra a Inter de Milão. Em terceiro lugar (4%), vinha o de Pelé contra a Itália na final da Copa de 1970.
Mas por que gastar tanto tempo, saliva, papel e neurônios com um único gol, se eles saem às dezenas em cada rodada de fim de semana?
Ora, porque um lance assim, inesperado e espetacular, alça momentaneamente o futebol a uma outra dimensão, para além do mero esporte ou da mera competição.
Um gol como o de Palermo salta fora do tempo, extravasa do campo de jogo, ganha as ruas, perpetua-se nas mentes, vira mitologia. Tantos gols são marcados, alguns decidem títulos e rebaixamentos, mas raros são os que se impregnam no imaginário dos indivíduos e dos povos. Talvez eu esteja exagerando. Sempre é bom baixar a bola, aquietá-la na grama, quando a verborragia tende a arremessá-la às nuvens. Mas é de bola alta que estamos falando aqui, de gols de cabeça.
Essa é uma das muitas artes que não domino dentro do campo de jogo, por isso admiro tanto os grandes cabeceadores, de Baltazar a Van Basten, passando por Leivinha, o citado Santillana, o próprio Pelé e, por que não?, Dadá Maravilha.
Que ofício maravilhoso esse, que pressupõe uma harmonização perfeita de impulsão, tempo de bola, firmeza, sangue frio e visão de jogo. Daí, em parte, meu entusiasmo pelo feito de Palermo.
Há ainda outra razão.
Muitos jogadores entram no folclore do futebol pela porta da frente e saem pela dos fundos. Com Martín Palermo ocorreu o contrário. Ele ficou mundialmente famoso ao perder três pênaltis numa única partida da seleção argentina, em 1999. Virou piada, sobretudo no Brasil e em outros países vizinhos. Hoje é um grande ídolo do Boca e um dos maiores artilheiros da história do clube, com mais de 200 gols. E agora, depois da proeza de domingo, tocou o céu, virou imortal.

jgcouto@uol.com.br


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