São Paulo, sexta-feira, 10 de novembro de 2000

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FUTEBOL
Complexo de Ringo Starr

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Entre as várias definições para os Beatles, a de que mais gosto é a que diz ""foi um quarteto formado por três gênios e o homem mais sortudo do mundo". Neste caso, o afortunado seria Richard Starkey, ou Ringo Starr.
Sem ser bonito, genial ou charmoso, acabou por se transformar, às vésperas do estouro de ""Love Me Do", em 1962, no quarto integrante do grupo. Entrou no lugar de Pete Best, hoje funcionário público e conhecido como ""o homem mais azarado do mundo".
Ringo era prodigiosamente narigudo e não tinha boa voz embora seu timbre anasalado casasse bem com canções do tipo ""Yellow Submarine". Também era baixo, vestia-se de modo pouco elegante e nunca o consideraram grande baterista. Mas foi ficando..., ficando..., e, de LP em LP, chegou até o último do grupo, em 1970, deixando seu nome no panteão da música popular do século 20.
Estamos cansados de ouvir histórias de gente talentosa que não chega aonde merecia. Toda cidade, todo bairro, toda família tem um caso. Já o contrário é raro como uma pérola negra ou um político honesto. É o caso do sujeito abençoado pelos deuses, do cara que, a despeito das próprias limitações e do mau jeito, aparece na hora certa, no lugar certo e vai longe. São os ringos da vida.
O futebol também tem seus ringos, jogadores apenas esforçados, mas que, com uma pequena ajuda da sorte e cercados de craques, acabaram participando das grandes conquistas, aparecendo nas grandes fotos da história.
Quem nunca ouviu falar do poderoso Cruzeiro de Piazza, Zé Carlos, Tostão, Dirceu Lopes, Raul e Natal. Pois nesse mesmo Cruzeiro jogava Pedro Paulo, um zagueirão que, não fosse pela ilustre companhia, poderia perfeitamente ter seguido carreira num Valeriodoce da vida. Mas ele tinha sorte e estava lá.
Qualquer palmeirense que tenha visto jogar o time da segunda academia, lembra, com saudades, de Leão, Luís Pereira, Dudu, Ademir da Guia, Leivinha e César. Já do bom marcador Zeca, ele não irá guardar lembranças tão fascinantes. Era aplicado, não comprometia, mas se não tivesse aqueles companheiros, certamente sua carreira teria sido mais obscura. E o Internacional, de Rubens Minelli, bicampeão brasileiro? Ali fizeram história Manga, Marinho Peres, Figueroa, Batista, Falcão, Jair, Valdomiro e até o lendário Dadá Maravilha. Mas ali também jogaram o apenas regular Caçapava e o discreto Vacaria.
Pensem no time do Flamengo, campeão mundial contra o Liverpool, que jogava com um meio-campo refinadíssimo: Andrade, Adílio e Zico. Isso sem falar em Raul, de novo, Júnior e Leandro. Pois na foto também aparece o viril Rondinelli, que realmente resolvia os problemas da zaga, mas ficava a dever alguma coisa para seus companheiros.
E o que dizer da equipe do São Paulo, bicampeã mundial contra Milan e Barcelona sob o comando do inesquecível Telê Santana? Aquela seleção tricolor tinha Zetti, Cafu, Leonardo, Toninho Cerezo, Raí e Muller. Mas, por outro lado, havia também lugar para Ronaldo Luís, Dinho e Pintado.
E lembro-me ainda de Célio Silva, Márcio Santos, Tonhão, Elivélton, Nasa e tantos outros cuja sorte, em alguns momentos da carreira, foi inversamente proporcional à técnica.
A própria seleção brasileira tem lá os seus ringos. No maravilhoso time de 1970, por exemplo, referência enciclopédica do melhor futebol, em meio a clodoaldos, pelés, tostões, gérsons e rivelinos, havia o imprevisível Félix, o bom rebatedor Brito e o apenas esforçado Everaldo.
Para os ringos, é como diz a música ""With a Little Help from My Friends", aquela que foi tema da série ""Anos Incríveis":
I get by with a little help from my friends,
I get high with a little help from my friends,
I'm going to try with a little help from my friends.
O que, traduzindo assim, assim, dá em:
Eu vou levando com uma ajudinha dos meus amigos,
Eu vou bem alto com uma ajudinha dos meus amigos,
Eu vou tentar com uma ajudinha dos meus amigos.
E-mail torero@uol.com.br


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