São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Zé Cabala e o homem que não errava


Mário de Castro, dono da melhor média de gols por jogo do futebol do país, integrou ataque que fez 459 tentos


QUANDO cheguei à casa do sumo sacerdote das comunicações com o além, ele não estava com seu tradicional turbante. Ou melhor, estava, mas sobre ele havia um simpático chapéu panamá. Não me contive e exclamei: "Curiosa combinação, ó, grande mestre!" "É que hoje você vai entrevistar um jogador dos anos 20." Então ele ligou sua vitrola, pôs um disco de charleston e começou a dançar. Quando acabou a música, ele fez uma reverência e disse: "Bom dia, cavalheiro, meu nome é Mário de Castro".
"O grande jogador do Atlético? O que fez 195 gols em cem jogos?!" "Esse mesmo. Em carne e osso. Ou melhor, em espírito e chapéu panamá." "Puxa, é uma honra falar com o jogador que tem a melhor média de gols por partida da história do futebol brasileiro!" "Ora, ora, não foi nada de mais..."
"Até hoje o sr. é o maior artilheiro do Campeonato Mineiro, não é?" "Isso mesmo. Em 1927, eu marquei 27 gols. E também fui artilheiro em 1926 e 1929." "O senhor nasceu em..." "Formiga. No dia 29 de junho de 1905. Aí, quando tinha 20 anos, fui para Belo Horizonte estudar medicina. Fiz um treino no América, que tinha ganho os últimos dez Campeonatos Mineiros, mas acabei gostando mais do Atlético e fiquei por lá. No ano seguinte fomos campeões. E em 27, bi." "Dizem que o senhor fez gol em todos os jogos de que participou."
"É exagero. Nos campeonatos de 26 e 27, por exemplo, eu não fiz gol no último jogo, quando a gente já era campeão." "Como era o seu estilo?" "Eu driblava muito bem. Mas o meu forte era o chute. O pessoal dizia que chute meu era gol ou goleiro, porque eu nunca errava a meta." "O senhor também foi o primeiro jogador fora do eixo Rio-São Paulo a ser chamado para uma Copa, não?" "É. Eles me convocaram em 1930.
Mas eu não ia sair de Belo Horizonte para ficar no banco. Então disse que só iria se fosse para ser titular. Fazer o quê, se eles preferiram o Carvalho Leite, do Botafogo? Em compensação, depois da Copa, nós desafiamos o Botafogo para um jogo em BH." "E qual foi o placar?"
"Modéstia à parte, foi Mário de Castro 3 x 0 Carvalho Leite." "Sua família aprovava sua carreira futebolística?" "Que nada! Tive que jogar escondido, tanto que nos primeiros jogos eu usei um apelido: Orion. Minha mãe, dona Regina, não queria que o futebol atrapalhasse meus estudos." "O senhor tem uma partida inesquecível?" "Ah, muitas... Mas tem uma que foi boa demais da conta. Em 30 de junho de 1929, o Atlético convidou o Corinthians para inaugurar o nosso estádio. Era nossa primeira partida interestadual. Já pela manhã as arquibancadas estavam lotadas. Teve missa campal e, depois, veio o jogo.
Todo mundo pensava que o Corinthians ia golear, mas ganhamos de 4 a 2. Eu fiz três, e o Said fez o outro." "Said?" "O ataque do Atlético era Said, Jairo e eu. Chamavam a gente de Trio Maldito. Juntos, fizemos 459 gols." "Parece que o senhor decidiu parar de jogar bem cedo." "Com 26, 27 anos. É que em 1931 nós fomos campeões, e eu me formei, então decidi que era hora de parar. Depois voltei para a minha terra e segui a carreira de médico. Mas, em 40, ainda fiz um jogo de despedida. Foi contra o Madureira, e eu marquei meu golzinho. O gol 195." "Foi uma boa vida?"
"Boa e longa. Só fui para o outro lado do mistério em 1998. Aí fui enterrado no cemitério do Bonfim, pertinho de Jairo e Said. O Trio Maldito virou Trio Bendito. A vida tem suas ironias. E a morte também."

torero@uol.com.br


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