São Paulo, domingo, 11 de maio de 2008

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TOSTÃO

Ritual, motivação e acaso


O acaso ajuda e prejudica os que relaxam e menosprezam o oponente e também os que fazem tudo certo para vencer

O FLAMENGO comemorou bastante a conquista do Carioca, festejou a despedida de Joel Santana, já se achava classificado na Libertadores depois da vitória no México e se esqueceu do América. Não adiantou a palestra de motivação de Joel antes do jogo, mostrada na TV Globo, alertando para os perigos desta vida.
O mesmo relaxamento ocorreu com o Palmeiras na Copa do Brasil. Após eliminar o São Paulo e ganhar da Ponte Preta, o time esqueceu o Sport, foi goleado por 4 a 1 e desclassificado em uma competição mais importante que o Estadual.
Essa partida contra o Sport era o momento ideal para Luxemburgo fazer suas "extraordinárias palestras de motivação". Não fez ou não funcionou? Só funciona bem quando o time ganha.
Pelo jeito, essas palestras antes das partidas, como as de Joel contra o América e de Luxemburgo no jogo final do Paulistão, em vez de serem um encontro pessoal e afetivo entre o treinador e os jogadores, vão fazer parte do show da televisão.
Os técnicos, além de ficarem ainda mais ricos e poderosos, vão ser estrelas da TV. É a sociedade do espetáculo, dos Big Brothers. O mundo está cada dia mais impessoal, violento e idiota.
É óbvio que um técnico ou qualquer profissional que comande um grupo precisa saber motivar as pessoas. O esporte não é também uma atividade burocrática em que os atletas jogam com a mesma gana todas as partidas. O treinador precisa ficar atento e agir. O que não se pode é dar um valor exagerado a essas exibicionistas palestras.
As palestras de motivação têm muito a ver com os rituais de fé, com as superstições, com os hábitos e com o pensamento mágico e onipotente. Se não estiverem presentes certas rotinas, os atletas se sentem desamparados. Alguns só jogam bem quando beijam antes dos jogos três vezes as suas medalhinhas, dos dois lados.
Orlando Fantoni, técnico do Cruzeiro na década de 60, levava sempre para o vestiário a imagem de seu santo. Ele e vários jogadores se ajoelhavam e rezavam. Alguns aproveitavam para fazer pedidos, como marcar muitos gols. Havia também os que diziam para o santo que o importante era o grupo.
Em uma partida importante, Fantoni se esqueceu da imagem, e o time perdeu. Os dirigentes não sabiam se colocavam a culpa no técnico ou no santo.
Muricy Ramalho disse que técnico precisa ser estressado, que a vitória não é prazer, e sim alívio, e que a bola pune, referindo-se à desconcentração do Flamengo. Compreendo suas palavras, mas o técnico do São Paulo não precisa ser tão realista e drástico com o futebol e com ele mesmo. Isso faz mal para a saúde e para a alma.
Além disso, o Flamengo não perdeu somente porque relaxou, porque desprezou o adversário e porque o gorducho Cabañas estava inspirado. O acaso também ajudou a derrotar o Mengo. Se em dois gols a bola não tivesse batido em um jogador e desviado, o Flamengo não teria sido eliminado. O acaso ajuda e prejudica todos, os que relaxam e os que também tentam fazer tudo certo para vencer. Não avisa, não dá para evitá-lo nem explicá-lo.
"As coisas não têm explicação; têm existência." (Fernando Pessoa)


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