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FUTEBOL
Faltam gays no futebol
MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA
Ia animada a festa, o que parecia incrível depois de um dia
em que a chuva desabara como
em páginas célebres do realismo
fantástico. A estiagem só viera
quando a noite caíra. A pista de
dança fervilhava com guris e gurias que davam de ombros, livres
dos casacos desencaixotados no
outono, para o frio que intimidava lá fora. Passava da meia-noite
quando o DJ sacou o "indriblável" clássico da disco music:
"YMCA", do Village People.
Como há mais de duas décadas
acontece, não deu outra: machões
empedernidos cantaram a valer
uma das letras mais gays que o
pop já produziu. Sempre achei engraçado. Alguns durões talvez fiquem sem jeito ao saber que celebram a agremiação onde "os rapazes podem fazer reais os seus
sonhos". A maioria não está nem
aí. Faz bem.
Lembrei-me do Orange Bowl,
em Miami, arena dos embates
iniciais do Brasil na Olimpíada
de 96. A animação eletrizante
corria paralela ao futebol. Antes,
no intervalo e depois dos jogos,
uma loira bacana escalava uma
seleção musical capaz de fazer até
o Romário se mexer. A gringa
abria com Beatles, "Twist and
Shout". Aí atacava de "YMCA", a
sigla em inglês da Associação
Cristã de Moços. A torcida bailava como num club. Núcleos GLS
estimulavam os renitentes.
Nossos estádios andam chochos,
com exceção do Morumbi e poucos outros. Borderôs raquíticos
minam êxtases próprios a concentrações de massa. Boa parte
das organizadas só empolga seus
seguidores. Missa para convertido. Pela época em que o Village
People estourava com outro hit,
"Macho Man", um pessoal corajoso saiu do armário e ensaiou a
formação de torcidas. Em Porto
Alegre, gremistas agruparam-se
na Coligay. Rubro-negros lançaram a Flagay. Num ambiente homofóbico, mentalidades cinzentas intimidaram os moços que
queriam colorir as arquibancadas. Foram postos para correr.
O machismo sufoca o futebol.
Impensável um boleiro abrir o jogo como fez um grandalhão do
vôlei. Suspeitas de amor entre
iguais levam reacionários a cortar lenha para imolar corações
nas fogueiras da intolerância.
Até revolucionários do futebol
revelam-se patrulheiros do desejo. "Como colocar dois homens
[homossexuais] num quarto para
concentrar?", perguntou Telê,
anos atrás. "É como se fizesse um
futebol misto e pusessem um homem e uma mulher dentro do
quarto. Não dá."
Árbitros destacaram-se entre os
mais bem resolvidos. "Sou gay,
não me importo com meu apelido
de Bianca, mas nunca transei em
campo nem cantei jogador", disse
certa vez Válter Senra. Jorge Emiliano, o saudoso Margarida,
emendou: "Prefiro que se lembrem de mim como um juiz bicha
do que como um juiz desonesto".
Os gays trariam mais alegria
aos nossos campos cabisbaixos. E
também bom humor. Como o de
Margarida, ao se referir a sete árbitros do Rio suspeitos de fabricar
resultados: "Pobre da Branca de
Neve. Dos sete anões, só três iriam
querer comê-la".
Dores de amor
Ao cruzmaltino passional e
enamorado, a morena estonteante mentiu que balançava
pelo Vasco. Mas seu coração,
generoso, batia por outro. Assim compuseram, em "Gol
Anulado", Aldir Blanc e João
Bosco: "Quando você gritou
Mengo, no segundo gol do Zico, tirei sem pensar o cinto e bati até cansar". Versos cruéis a
amalgamar dores de amor e futebol. Nesse campo, o das paixões, haverá criação mais bela
que o golaço do tricolor Chico
Buarque em "Biscate"? Inesquecível: "Vives na gandaia e
queres que eu te respeite; quem
te mandou tomar conhaque
com o tíquete que eu te dei pro
leite? Quieta, que eu quero ouvir Flamengo e River Plate". Para todas as torcidas, feliz Dia
dos Namorados.
E-mail: mario.magalhaes@uol.com.br
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