São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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Em inferninhos da rua Augusta, a pátria veste e tira biquínis e shortinhos

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Amigo torcedor, amigo secador, o inferno são os outros, o inferninho somos nós todos. O melhor lugar para ver esse torneio chinfrim chamado Copa do Mundo é a casa alheia, a casa de tolerância, a casa das moças, a casa da luz vermelha.
Deixemos para os nossos lares, doces lares, apenas o futebol de verdade, o futebol sagrado do dia-a-dia, o futebol dos nossos times, o futebol que merece muito mais nosso respeito.
No inferninho, a pátria não está em chuteiras, a pátria se despe do seu verde-e-amarelo conforme o gosto do freguês, como nos strips patrióticos da rua Augusta.
A nossa "Red Light District", melhor do que a badalada área de prostituição de Amsterdã, está toda voltada para a Copa. A pátria está em biquínis e shortinhos com o verde de nossas matas e o amarelo do ouro que um dia foi de Serra Pelada...
Na boate Casarão, na citada área nobre da Augusta, a cada gol do Brasil o amigo torcedor terá, durante o torneiozinho da Fifa, uma rodada de cerveja e churrasquinho-de-gato de graça. No Caribe, rolará um strip cada vez que o Brasil for às redes. Solta o quadrado mágico, Parreira!
"Aqui não tem 0 a 0, pode ter lá na Alemanha. Aqui a gente dá um jeito", diz Cinthia, 21, "nome artístico", cheia de boas maldades e metáforas futebolísticas. "O perigo é o cliente sair de maca, de tão satisfeito."
Na Maison, nos mesmos arredores, a tabela da Copa ocupa toda a fachada. "Trabalho aqui há três anos, mas só agora estou de roupa completa. Os homens têm tesão de me ver tirar esse verde-amarelo", conta Márcia, 25.
O chão de estrelas pintado sobre o asfalto já indica que no My Love a pátria merece todo o respeito desse mundo.
E haja brasileirinhas mestiças, daquelas que valem por mil teses de Gilberto Freyre, nos colos dos mais tarados dos "japas".
Todos equipados com telões na pista e TVs nos quartos, para que o amigo não perca um só momento de emoção, os inferninhos estão mais festivos do que os treinos do time de Parreira.
Ali, temos a certeza de que a Copa é apenas uma celebração amistosa da nossa loucura futebolística, não vale um Pânico x Grêmio 100 Juízo, para citar o clássico-mor que une os timaços de Cajamar e Francisco Morato, aqui no cinturão da Grande São Paulo.
Só descendo a um inferninho temos a noção de que a Copa é apenas uma festa, não aquele futebol cotidiano que nos sufoca e enfarta.
"O bicho pega é num Corinthians x São Paulo, né? Com a seleção, está tudo em casa, só vai ter briga se a Argentina de Tevez fizer a final contra o Brasil", alerta Edy, da recepção do Love Story, um clássico da madrugada do centrão de Sampa.
"Vai ter briga porque os corintianos, se Tevez for titular, serão todos argentinos."
O bom mesmo é que, na Augusta e nas boates do centro, a pendenga entre o presidente Lula e Ronaldo já está resolvida: a ordem é comer, beber e viver sem culpa.


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