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Em inferninhos da rua Augusta, a pátria veste e tira biquínis e shortinhos
XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
Amigo torcedor, amigo secador, o inferno são os outros,
o inferninho somos nós todos.
O melhor lugar para ver esse
torneio chinfrim chamado
Copa do Mundo é a casa
alheia, a casa de tolerância, a
casa das moças, a casa da luz
vermelha.
Deixemos para os nossos lares, doces lares, apenas o futebol de verdade, o futebol sagrado do dia-a-dia, o futebol
dos nossos times, o futebol
que merece muito mais nosso
respeito.
No inferninho, a pátria não
está em chuteiras, a pátria se
despe do seu verde-e-amarelo
conforme o gosto do freguês,
como nos strips patrióticos da
rua Augusta.
A nossa "Red Light District", melhor do que a badalada área de prostituição de
Amsterdã, está toda voltada
para a Copa. A pátria está em
biquínis e shortinhos com o
verde de nossas matas e o
amarelo do ouro que um dia
foi de Serra Pelada...
Na boate Casarão, na citada
área nobre da Augusta, a cada
gol do Brasil o amigo torcedor
terá, durante o torneiozinho
da Fifa, uma rodada de cerveja
e churrasquinho-de-gato de
graça. No Caribe, rolará um
strip cada vez que o Brasil for
às redes. Solta o quadrado mágico, Parreira!
"Aqui não tem 0 a 0, pode
ter lá na Alemanha. Aqui a
gente dá um jeito", diz Cinthia, 21, "nome artístico",
cheia de boas maldades e metáforas futebolísticas. "O perigo é o cliente sair de maca, de
tão satisfeito."
Na Maison, nos mesmos arredores, a tabela da Copa ocupa toda a fachada. "Trabalho
aqui há três anos, mas só agora
estou de roupa completa. Os
homens têm tesão de me ver
tirar esse verde-amarelo",
conta Márcia, 25.
O chão de estrelas pintado
sobre o asfalto já indica que no
My Love a pátria merece todo
o respeito desse mundo.
E haja brasileirinhas mestiças, daquelas que valem por
mil teses de Gilberto Freyre,
nos colos dos mais tarados dos
"japas".
Todos equipados com telões na pista e TVs nos quartos, para que o amigo não perca um só momento de emoção, os inferninhos estão mais
festivos do que os treinos do
time de Parreira.
Ali, temos a certeza de que a
Copa é apenas uma celebração amistosa da nossa loucura
futebolística, não vale um Pânico x Grêmio 100 Juízo, para
citar o clássico-mor que une
os timaços de Cajamar e Francisco Morato, aqui no cinturão da Grande São Paulo.
Só descendo a um inferninho temos a noção de que a
Copa é apenas uma festa, não
aquele futebol cotidiano que
nos sufoca e enfarta.
"O bicho pega é num Corinthians x São Paulo, né? Com a
seleção, está tudo em casa, só
vai ter briga se a Argentina de
Tevez fizer a final contra o
Brasil", alerta Edy, da recepção do Love Story, um clássico
da madrugada do centrão de
Sampa.
"Vai ter briga porque os corintianos, se Tevez for titular,
serão todos argentinos."
O bom mesmo é que, na Augusta e nas boates do centro, a
pendenga entre o presidente
Lula e Ronaldo já está resolvida: a ordem é comer, beber e
viver sem culpa.
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