São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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Filhos da guerra

Angola, Irã e Sérvia e Montenegro, que estréiam hoje, tiveram sua preparação para o Mundial afetada por tensão geopolítica e recentes confrontos armados

PAULO COBOS
ENVIADO ESPECIAL A KÖNIGSTEIN

A lógica da bola diz que eles não devem ir longe na guerra pelo título da Copa da Alemanha. Mas hoje, quando entrarem em campo pela primeira vez, três seleções vão proporcionar um alívio para três países em que a palavra guerra não tem nada de esportiva.
Mandou o calendário do Mundial que Angola, Irã e Sérvia e Montenegro abrissem suas participações no mesmo dia -a Costa do Marfim, outro país em guerra civil, estrearia ontem contra a Argentina. Os africanos e europeus são sobreviventes de sangrentas e recentes batalhas.
Os iranianos se dizem prontos para enfrentar quem ouse impedir seu ambicioso programa nuclear. E, para os três, o ambiente de enfrentamento influi na Copa do Mundo.
A começar por histórias pessoais de refugiados de guerra que acabaram no futebol justamente por esse motivo.
A guerra civil que atravessou três décadas em Angola, que enfrenta hoje sua ex-metrópole Portugal, causou a migração de milhões de pessoas. Por causa disso, gente que morava no interior foi para a capital Luanda e teve a chance de jogar futebol, afinal só lá havia condições para a organização de torneios.
Tal fluxo migratório deu à seleção angolana seu maior ídolo. O atacante Mantorras, 24, foi descoberto na periferia de Luanda. Era um filho de miseráveis refugiados do interior, fugidos das minas terrestres que transformam o país em um verdadeiro campo minado, o que dura até hoje.
A desintegração da antiga Iugoslávia, que gerou uma série de guerras na década passada entre Sérvia e outras repúblicas que formavam o país, causa problemas até hoje. Tanto que o país que enfrenta a Holanda hoje nem existe mais -os montenegrinos acabam de fazer plebiscito em que decidiram por sua independência.
E, assim como no caso de Angola, Sérvia e Montenegro tem uma seleção, que hoje desafia a Holanda, com histórias de guerra para contar.
Ilija Petkovic tem nacionalidade sérvia. Mas nasceu na Croácia. Assim como o zagueiro Krstajic, que nasceu na Bósnia e tem uma história de vida bem parecida com a do angolano Mantorras. Krstajic morou até os 18 anos na Bósnia. Sua família não tinha intenção de sair de lá, mas chegou a guerra, e depois dos massacres sérvios contra a população muçulmana bósnia, aquele deixou de ser um lugar seguro para seus familiares, que acabaram transformados em refugiados de guerra.
O Irã, que abre sua participação contra o México, é o centro nervoso desta Copa, e seus jogadores, ilustres desconhecidos da bola, têm agora segurança especial pelo clima belicoso gerado pelas palavras e planos militares de Mahmoud Ahmadinejad, seu presidente.
Com o passado recente de conflitos, as três seleções, especialmente Sérvia e Irã, tiveram suas preparações para a Copa prejudicadas. O time do Oriente Médio teve pedidos de amistosos rejeitados ou cancelados. Já os europeus só conseguiram fazer dois amistosos antes da estréia na Alemanha.
Assim como a tabela, que mandou os três fazerem suas estréias no mesmo dia, a Copa da Alemanha também vai colocar novos e velhos adversários (assim como Portugal para os angolanos) fora dos gramados de iranianos e sérvios.
A Croácia, maior rival dos sérvios nos Balcãs, está na parada. Os EUA, com quem o Irã bate boca há décadas, também está. Que a paz esteja com eles.


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