São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2008

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ESGRIMA

Ícone chinês reaparece nos Jogos como canadense

Ouro em 1984, Luan Jujie, aos 50, decide competir por outro país Atualmente técnica e 31 anos mais velha que 1ª rival, atleta conta ter retornado por esperar evento especial em sua nação de origem

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A PEQUIM

Luan Jujie está rouca. De tanto falar, de tanto dar entrevistas, de tanto responder às mesmas perguntas. A mais batida dela, sobre o porquê de voltar agora à prática da esgrima. "Deu vontade de tentar, de descobrir até onde consigo ir."
Na sala apinhada de jornalistas, a Folha pede a ela que compare o antes e o depois.
"Lá atrás, em 1984, o esporte na China não era forte assim. Agora os atletas treinam muito mais, participam de mais competições internacionais, há muito mais dinheiro envolvido... Está dez vezes melhor."
Ela conhece os dois mundos. Em Los Angeles, aos 26, integrou a delegação que marcou o retorno da China aos Jogos -entre 1956 e 1980, não disputaram. Ouro na esgrima, o primeiro de uma nação asiática, tornou-se um ícone chinês.
Em Pequim, hoje, aos 50, deixa o posto de técnica para se vestir de atleta. No país que ainda a exalta, mas que deixou. A heroína agora leva na jaqueta a bandeira do Canadá.
"Não me interessa que país estou defendendo. Uma pessoa será sempre aquela mesma pessoa, um atleta será sempre aquele mesmo atleta", afirma.
Uma opinião difícil de ser digerida pelos donos da festa. Na volta dos Jogos de Los Angeles, Jujie ganhou status de defensora da pátria, foi usada pela propaganda do regime, virou filme para os adultos e cartilha para as crianças, tornou-se membro da Assembléia e diretora da União de Mulheres de sua Província. Ainda disputou os Jogos de 88. Duas vezes foi "Esportista do Ano na China".
Mas trocou tudo isso por Edmonton. Alegando, apenas, ter se "apaixonado" pelo lugar.
Lá, deixou as competições para criar os três filhos, começou a dar aulas e fez saltar o número de alunos da academia local, de 40 para 400. Em 1994, naturalizou-se canadense.
Em 2000, deixou a "aposentadoria" pela primeira vez, para defender o novo país em Sydney. Não passou das preliminares e prometeu nunca mais voltar. Mas, no ano seguinte, a escolha de Pequim como sede de 2008 a provocou.
"Pensei que poderia ser minha última oportunidade. Eu sabia que a China se esforçaria para fazer uma Olimpíada grandiosa e que seria muito especial para mim", explicou.
A fagulha ficou guardada por sete anos até que, no ano passado, decidiu tentar a vaga. Conseguiu. E está de volta à China.
"Tudo mudou muito. Fui para minha cidade, em Nanjing, e não consegui achar a casa em que nasci", contou, revelando que trouxe os três filhos -de 10, 14 e 17 anos- para vê-la.
Puderam ver sua fama no país e ficaram impressionados. Hoje apenas a 44ª do ranking e 31 anos mais velha que a primeira rival, brinca com a idade.
Jujie deixa a sala como entrou, sorriso escancarado. Não sofre mais pressão para fazer história. Ela já fez, e faz tempo.


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