São Paulo, sábado, 12 de abril de 2008

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JOSÉ GERALDO COUTO

Do "rosso-nero" ao rubro-negro

Ronaldo só trocará o Milan pelo Flamengo enquanto não puder retomar seu posto na engrenagem global

RONALDO, o Fenômeno, vai assistir ao clássico de amanhã, no Maracanã, vestido com a camisa do Flamengo, ao lado do presidente do clube, Márcio Braga, na tribuna de honra do estádio.
Faz lembrar, de algum modo, os versos de Chico Buarque: "Hoje eu vou sambar na pista/ você vai de galeria/ Quero que você assista/ na mais fina companhia/ Se você sentir saudade/ por favor, não dê na vista/ Bate palmas com vontade, faz de conta que é turista".
Ronaldo é, de fato, praticamente um turista no Maracanã, estádio em que jogou muito poucas vezes. Rubro-negro de coração, não tentou a sorte no clube porque era menino pobre de periferia que não tinha dinheiro para a condução até a Gávea.
A ironia é que hoje, em seu enésimo período de recuperação de uma lesão, Ronaldo pode até jogar no Flamengo porque tem dinheiro sobrando para satisfazer esse capricho sentimental.
Aliás, não seria bacana que os superastros do futebol, tendo atingido a abastança financeira que garante o futuro de várias gerações de descendentes, cedessem com mais freqüência a suas paixões íntimas e antigas, atuando nos times com que têm laços afetivos?
Zidane no Olympique de Marselha, Tevez no Corinthians (ou no Boca Juniors), Rivaldo no Santa Cruz, Ronaldinho no Grêmio, Juninho Pernambucano no Sport, Alex no Coritiba... A lista não teria fim. E não digo um retorno simbólico, de fim de carreira, só para pendurar as chuteiras, mas a volta de verdade.
Se é o dinheiro, em última instância, que leva os craques para longe de suas origens geográficas, culturais e sentimentais, o mesmo dinheiro (ou a despreocupação com ele) poderia trazê-los de volta.
Não seria o máximo? Todos ficariam contentes: os jogadores retornados à pátria afetiva, as torcidas reconciliadas com esses filhos pródigos, e, por fim, os clubes que foram suas primeiras paixões, quando não o seu berço futebolístico.
Mas é preciso acordar da modesta utopia. Não é assim que as coisas funcionam no mundo globalizado.
Esses semideuses estão condenados a funcionar como máquinas acumuladoras de capital. Proibidos de ter desejos que não sejam rentáveis para si próprios e para o enorme aparato que os cerca: empresários, patrocinadores, TVs, clubes, federações.
O próprio Ronaldo, entre declarações de amor ao Flamengo, já disse que seu projeto é voltar a jogar no Milan, mas que só fará isso quando e se estiver de novo em plena forma.
Ou seja: só trocaria o "rosso-nero" pelo rubro-negro temporariamente, enquanto buscasse retomar suas condições físicas e técnicas.
O Flamengo, que era o sonho máximo do menino Ronaldinho, virou um interregno em sua carreira produtiva, onde ele cumpriria uma espécie de licença de saúde, remunerada ou não. Assim que estiver devidamente recauchutado, deve retomar sem demora seu posto na engrenagem do capitalismo global.
Aqueles comerciais de cartão de crédito que falavam de coisas que "não têm preço" denunciava de certa forma os limites do poder econômico. Os verdadeiros objetos do desejo são aqueles que o dinheiro não pode comprar. Ou são gratuitos ou, no fundo, não passam de ilusão.


jgcouto@uol.com.br

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