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BOXE
Após abandonar plano de ser traficante, pugilista entra em projeto de ONG do Rio e luta hoje em evento na Inglaterra
Brasileiro troca favela por ringue de luxo
MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO
Morador da Nova Holanda, no
complexo de favelas da Maré (zona norte), considerado pela polícia um dos locais mais violentos
do Rio, João Batista da Silva, 18,
quase entrou para o tráfico.
Segundo ele, foi há três anos,
quando ele viu sua casa ser invadida por um grupo de policiais à
procura de traficantes.
"Apanhei muito naquele dia e
disse para mim mesmo que entraria no tráfico para matar aqueles
polícias todos", lembra Silva, que
abandonou a idéia de ser traficante, virou boxeador e, hoje à noite,
participa de uma luta beneficente
em um dos principais templos do
boxe mundial: o York Hall, no
tradicional bairro operário Bethnal Green, em Londres.
O York Hall abriga combates
dos maiores pugilistas do mundo.
O inglês Lennox Lewis, peso-pesado mais dominante dos anos 90
e terceiro campeão na história da
categoria a se aposentar enquanto
ainda ostentava o título, já se
apresentou no local.
Silva foi o escolhido pelo projeto
Luta pela Paz, uma academia de
boxe mantida na favela pela ONG
(organização não-governamental) Viva Rio, responsável pela
mudança na vida do menino pobre da Nova Holanda.
A luta que ele participará faz
parte de uma noite beneficente
organizada por integrantes da
Real Fight Club, uma academia de
boxe freqüentada por celebridades e pela alta sociedade inglesa.
Os ingressos estão sendo comercializados por 25 a 45 libras
(cerca de R$ 130 a R$ 234), e um
percentual da renda da bilheteria
será utilizado para a construção
do novo centro esportivo e educacional do projeto brasileiro.
"Essas pessoas são as mais ricas
de Londres. Os lutadores de boxe
dessa academia são milionários,
banqueiros e outros membros do
pólo financeiro que se uniram para ajudar os jovens boxeadores
que moram em favelas do Rio",
disse o coordenador do Luta pela
Paz, Luke Dowdney, mestre em
antropologia social pela Faculdade de Edimburgo (Escócia)
-com tese sobre os problemas
de violência na vida de crianças de
rua e jovens de favelas do Recife- e campeão de boxe das Faculdades Britânicas em 1995.
De acordo com ele, a bilheteria
poderá render até R$ 50 mil para
o projeto. Atualmente, o Luta pela
Paz conta com 70 alunos entre 12
e 25 anos. Com o novo centro esportivo, poderá abrigar 150 crianças e adolescentes.
Além do pugilismo, os alunos
têm aulas de cidadania e de alfabetização. Há ainda estímulos para que os jovens se mantenham na
escola ou retornem a ela.
O projeto também oferece
oportunidades de ingresso no
mercado formal de trabalho.
Dowdney conta que o Viva Rio
mantém parcerias com uma rede
de hortifrutigranjeiros e uma empresa de petróleo.
Hoje, 20 dos 70 alunos da academia estão empregados.
"O boxe serve de chamariz para
tirar esses jovens do caminho do
tráfico. Temos alunos aqui que já
foram envolvidos com o tráfico e
saíram", declarou Dowdney.
Segundo o treinador, para continuar na academia, o aluno deve
se dedicar às aulas de cidadania.
"Há meninos que nos procuram dizendo que querem aprender boxe para brigar no baile
funk. Os que fazem isso são automaticamente excluídos do projeto, mas a maioria fica e aprende a
ver a luta de uma outra forma",
afirmou Dowdney.
Silva é um exemplo. Em três
anos freqüentando o Luta pela
Paz, ele já competiu em campeonatos amadores de peso-leve. Em
oito lutas, ficou invicto: obteve sete vitórias e um empate.
Graças ao projeto, ele também
trabalha na cadeia de hotifrutigranjeiros e voltou a estudar.
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