São Paulo, quarta-feira, 12 de maio de 2004

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BOXE

Após abandonar plano de ser traficante, pugilista entra em projeto de ONG do Rio e luta hoje em evento na Inglaterra

Brasileiro troca favela por ringue de luxo

MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO

Morador da Nova Holanda, no complexo de favelas da Maré (zona norte), considerado pela polícia um dos locais mais violentos do Rio, João Batista da Silva, 18, quase entrou para o tráfico.
Segundo ele, foi há três anos, quando ele viu sua casa ser invadida por um grupo de policiais à procura de traficantes.
"Apanhei muito naquele dia e disse para mim mesmo que entraria no tráfico para matar aqueles polícias todos", lembra Silva, que abandonou a idéia de ser traficante, virou boxeador e, hoje à noite, participa de uma luta beneficente em um dos principais templos do boxe mundial: o York Hall, no tradicional bairro operário Bethnal Green, em Londres.
O York Hall abriga combates dos maiores pugilistas do mundo.
O inglês Lennox Lewis, peso-pesado mais dominante dos anos 90 e terceiro campeão na história da categoria a se aposentar enquanto ainda ostentava o título, já se apresentou no local.
Silva foi o escolhido pelo projeto Luta pela Paz, uma academia de boxe mantida na favela pela ONG (organização não-governamental) Viva Rio, responsável pela mudança na vida do menino pobre da Nova Holanda.
A luta que ele participará faz parte de uma noite beneficente organizada por integrantes da Real Fight Club, uma academia de boxe freqüentada por celebridades e pela alta sociedade inglesa.
Os ingressos estão sendo comercializados por 25 a 45 libras (cerca de R$ 130 a R$ 234), e um percentual da renda da bilheteria será utilizado para a construção do novo centro esportivo e educacional do projeto brasileiro.
"Essas pessoas são as mais ricas de Londres. Os lutadores de boxe dessa academia são milionários, banqueiros e outros membros do pólo financeiro que se uniram para ajudar os jovens boxeadores que moram em favelas do Rio", disse o coordenador do Luta pela Paz, Luke Dowdney, mestre em antropologia social pela Faculdade de Edimburgo (Escócia) -com tese sobre os problemas de violência na vida de crianças de rua e jovens de favelas do Recife- e campeão de boxe das Faculdades Britânicas em 1995.
De acordo com ele, a bilheteria poderá render até R$ 50 mil para o projeto. Atualmente, o Luta pela Paz conta com 70 alunos entre 12 e 25 anos. Com o novo centro esportivo, poderá abrigar 150 crianças e adolescentes.
Além do pugilismo, os alunos têm aulas de cidadania e de alfabetização. Há ainda estímulos para que os jovens se mantenham na escola ou retornem a ela.
O projeto também oferece oportunidades de ingresso no mercado formal de trabalho.
Dowdney conta que o Viva Rio mantém parcerias com uma rede de hortifrutigranjeiros e uma empresa de petróleo.
Hoje, 20 dos 70 alunos da academia estão empregados.
"O boxe serve de chamariz para tirar esses jovens do caminho do tráfico. Temos alunos aqui que já foram envolvidos com o tráfico e saíram", declarou Dowdney.
Segundo o treinador, para continuar na academia, o aluno deve se dedicar às aulas de cidadania.
"Há meninos que nos procuram dizendo que querem aprender boxe para brigar no baile funk. Os que fazem isso são automaticamente excluídos do projeto, mas a maioria fica e aprende a ver a luta de uma outra forma", afirmou Dowdney.
Silva é um exemplo. Em três anos freqüentando o Luta pela Paz, ele já competiu em campeonatos amadores de peso-leve. Em oito lutas, ficou invicto: obteve sete vitórias e um empate.
Graças ao projeto, ele também trabalha na cadeia de hotifrutigranjeiros e voltou a estudar.


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